Page 11 - Revista do Ministério Público Nº 79
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Revista:
No 79 - 3o trimestre de 1999
Autor:
Carla Amado Gomes
(Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa)
Capítulo:
áEstudos
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Título:
Por uma menor impunidade dos parlamentares - Notas à Lei No 45/1999, de 16 de Junho
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Pgina:
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Por uma menor impunidade dos parlamentares - Notas à Lei No 45/1999, de 16 de Junho
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I. Irresponsabilidade e inviolabilidade - as duas figuras em que se desdobra o instituto da imunidade 
parlamentar ( 1 ) - traduzem situações subjectivas específicas, delineadas em função do estatuto do
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indivduo investido num mandato representativo: o deputado. São figuras cuja origem se perde nos éíá
tempos, sendo muitas vezes encontrada nas freedom of speech e freedom from arrest or molestation do ááçõ
Direito anglo-saxnico ( 2 ). ç
No entanto, como  comummente reconhecido, a sua inspiração directa colhe-se em legislação do período ã
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da Revoluo Francesa. Em virtude da desconfiança provocada pelos poderes executivo e judicial no í
contexto revolucionrio de 1789, as imunidades parlamentares emergem da Revolução como sinal da 
vitria da vontade popular, veiculada pelo Parlamento, contra o absolutismo monárquico. São, por isso, 
institutos marcados pela animosidade vivida entre o órgão legislativo - emanação da soberania do povo - e çõç
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os rgos dos poderes executivo e judicial, tradicionais suportes dos monarcas, cujas manobras íáóà
subversivas importava travar.
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Numa era de pacificao democrtica como aquela que hoje se vive, contudo, a sua sobrevivência é por 
muitos considerada suprflua e mesmo atentatória dos valores do Estado de Direito ( 3 ). Com efeito, se no
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perodo ps-revolucionrio se compreendia a necessidade de preservar a liberdade de expressão dos 
deputados e a sua integridade fsica contra eventuais investidas contra-revolucionárias acobertadas pelo ããç
poder judicial, a fim de garantir a independência e autonomia do Parlamento, já no momento actual, a ã
consagrao de imunidades parlamentares perde sentido, perante juízes independentes e imparciais - í
livres, portanto, de manipulaes externas -, bem assim como em face de Executivos que, em muitas 
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situaes, podem deter a maioria no rgo legislativo parlamentar - o que neutraliza, se não subverte, as ã
imunidades ( 4 ) - e, mesmo que tal no aconteça, sempre estarão sob a mira da opinião pública, í
implacvel e omnipresente juiz da sociedade de informação.
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Est, pois, instalada a controvrsia sobre a necessidade de subsistência do instituto (e, caso a resposta íçã
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seja afirmativa, em que termos). A um enfraquecimento quanto ao fundamento de facto, alia-se a 
constatao de rupturas ao nvel de certos princpios essenciais ao Estado de Direito: por um lado, o É
princpio da igualdade - na medida em que o deputado se torna, através da imunidade, um "fugitivo ao éá
direito", subtraindo-se (ainda que temporariamente)  administração da justiça como qualquer cidadão; por á
outro lado, o princpio da tutela jurisdicional efectiva, que garante a todo o cidadão a possibilidade de ver a ú

sua pretenso apreciada por um rgo jurisdicional, atravs de um processo equitativo e dentro de um ê
prazo razovel ( 5 ).
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A justificao destas excepes prende-se, evidentemente, com a sua finalidade: a garantia da 
independncia do expoente mximo da funo legislativa - o Parlamento. Esta é (ou deve ser), ã

simultaneamente, o seu fundamento e o seu limite. Faltando o primeiro ou ultrapassado o segundo, 
estaremos fora do domnio da imunidade. Abuse o deputado da sua liberdade de expressão - utilizando-a 
para fins alheios ao desempenho do mandato - e haver motivo para a sua perseguição judicial. Pratique o à
deputado qualquer facto ilcito penalmente relevante (no qual se incluem os crimes de difamação e injúria, 
que escapam  cobertura da irresponsabilidade), e poder ser alvo de um processo-crime. Porém, se a 
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moldura penal no exceder os trs anos - no seu limite mximo -, o deputado pode ainda contar com a ç
proteco da inviolabilidade, ou seja, para lhe ser movido um processo, a Assembleia da República terá ã
que, a requerimento do juiz do processo, levantar a imunidade (cfr. o artigo 157o/4 da Constituição da 
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Repblica Portuguesa, e o artigo 11o/3 do Estatuto dos Deputados = ED ( )). E essa competência é de 
exerccio discricionrio, quanto ao tempo e quanto ao contedo do acto que pe termo ao procedimento ç
que decide o pedido de levantamento da imunidade.
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Esta margem de liberdade do rgo parlamentar, se se justifica de uma perspectiva marcadamente 
objectiva do instituto das imunidades - de garantia da independncia da instituio parlamentar -, suscita 
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algumas preocupaes devido  sua insindicabilidade.  verdade que, ao recusar o levantamento da ã
inviolabilidade, a Assembleia preserva a liberdade fsica do deputado, pondo-o a salvo de perseguições 
que o podem constranger no exerccio do mandato e, simultaneamente, garante a presena deste no 
hemiciclo, necessria ao cumprimento da sua funo representativa. Contudo, esta situao tem um ç
incmodo reverso: protelar a averiguao da verdade material, paralisando a administrao da justia num 
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caso concreto e fazendo incidir suspeitas de ndole corporativista sobre a Assembleia.
A impossibilidade de controlar a deciso da Assembleia surge, assim, como um entorse a um princpio 
basilar do Estado de Direito: a juridicizao das condutas dos rgos que integram o poder, que traz 
inerente a possibilidade de verificao da sua efectiva conformidade s regras e princpios que as










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