Page 12 - Revista do Ministério Público Nº 79
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envolvem. Por outras palavras, o que pretende ser uma forma de tornar o deputado imune contra virulentos
ataques externos, corre o risco de o deixar, por um maior ou menor período, impune perante a justiça.
Não é altura, nem o sítio indicado, para proceder à análise aprofundada das implicações deste problema e
para avançar propostas de resolução - já o tentámos noutro lugar ( 7 ). A razão destas linhas prende-se éâãá
directamente com uma recente alteração legislativa ao Estatuto dos Deputados, incidente sobre a éíç
prerrogativa da inviolabilidade parlamentar. É, portanto, sobre a Lei No 45/1999, de 16 de Junho, mais ã
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concretamente sobre as alterações de redacção que o seu artigo 1o introduziu ao artigo 11o e ao artigo 14o õççç
do Estatuto dos Deputados, que nos vamos debruçar de seguida.
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II. A inviolabilidade significa que o deputado, desde o momento em que o mandato se inicia até ao seu çãêããã
trmino, se encontra subtraído à acção do poder judicial, em virtude de crimes praticados dentro ou fora do úí
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mbito das suas funções, salvo no caso de flagrante delito. Está consagrada no artigo 157o/2, 3 e 4, da ç
Constituio, complementado pelo artigo 11o do Estatuto dos Deputados.
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Esta figura, prevista logo no primeiro texto constitucional português, sofreu, desde 1976, algumas ãáã
alteraes de regime, de que já demos conta em estudo anterior ( 8 ). A mais sensível terá sido a verificada
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na recente reviso constitucional, que tornou obrigatória a decisão de autorização da Assembleia para a çê
prestao de declaraões por parte dos deputados, como declarantes ou como arguidos, e para o seu
julgamento, aps proferida a acusação em termos definitivos ( 9 ), sempre que se trate de um processo que íç
envolva a prtica (ou fortes indícios desta) de um crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo çõéõ
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limite mximo seja superior a três anos.
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A Lei No 45/1999 teve a sua origem directa no projecto de lei No 672/VII, e é fruto de um consenso entre os ãç
diversos grupos parlamentares ( 10 ). O seu propósito é "harmonizar o Estatuto dos Deputados (...) com os éã
novos dispositivos constitucionais", ou seja, adaptar o Estatuto dos Deputados às mudanças introduzidas
no artigo 160o (hoje 157o) da Constituição, na sequência da recente revisão constitucional.
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Alm da correspondncia literal entre o No 2 e No 3 da Constituição e o No 2 e No 1 do Estatuto dos ç
Deputados, respectivamente, detectam-se outras mexidas, mais ou menos inovadoras. Podemos identificar ãç
quatro tipos de preocupaes subjacentes às alterações introduzidas: sistematizadora (1), clarificadora (2), ã
unificadora (3) e disciplinadora ( 4 ). Vejamos em que se consubstancia cada uma delas.
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1. A Lei No 45/1999 trouxe para o mbito do artigo 11o do Estatuto dos Deputados a regulação da audição ãçã
do deputado, a ttulo de declarante ou de arguido em inquérito criminal. Antes, esta situação estava áç
disciplinada no artigo 14o (sob a epgrafe «Deveres dos deputados»), aliada à previsão da autorização para éã
o representante popular ser jurado, perito ou testemunha.
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Esta assimilao da situao de prestao de declarações em inquérito criminal à do julgamento em é
processo-crime j fora feita pelo legislador constitucional, no No 2 do artigo 157o, sendo certo que antes í
no tinha assento na Lei Fundamental, mas apenas no Estatuto. Em termos sistemáticos, a nova é
arrumao justifica-se plenamente.
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Com efeito, por um lado, diferente a disponibilidade exigida ao deputado para desempenhar funções de ó
jurado, perito ou testemunha - embora, com o triste panorama de sucessivos adiamentos de audiências, ç
essa diferena possa esbater-se -, daquela que lhe imposta (quer em termos físicos, quer, e sobretudo, éõç
psquicos) quando se constitui arguido num processo de inqurito. Por outro lado - e esta é a diferença ã
essencial -, a necessidade de proteco da liberdade fsica do deputado como factor imprescindível à sua çã
independncia no exerccio do mandato s se verifica no segundo caso, sempre que seja alvo de uma çç
queixa-crime que desemboca num inqurito. Esta a situao que mais facilmente se presta à ã
instrumentalizao do processo por torpes intuitos persecutrios e intimidatórios; já não no primeiro caso,
no qual a nica preocupao da Assembleia controlar a presena do deputado e assegurar a sua
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participao nos trabalhos parlamentares.
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A prestao de testemunho, a constituio como perito ou a participao em julgamentos como jurado, são ê
exemplos de situaes em que o deputado, despido da sua veste institucional, é chamado a colaborar com
a justia. Esse um dever de qualquer cidado, de que o representante popular não está desobrigado. O
seu exerccio encontra-se, porm, condicionado pelo vnculo funcional que liga o deputado ao órgão ç
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representativo - este deve, por isso, autoriz-lo. Desta feita, a norma surge como uma garantia da
composio da Assembleia, no revestindo qualquer cunho subjectivo de proteco da integridade física
do deputado.
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J a necessidade de autorizao para a prestao de declaraes em inqurito criminal tem uma natureza é
biface: por um lado, surge como garantia da composio e da independncia do rgo parlamentar,
mediatizada no corpo dos seus membros - com uma natureza objectiva, portanto; por outro lado, tem uma ç
feio subjectiva, que se traduz na preservao do deputado de ataques soezes sua liberdade. A sua ã
autonomizao , assim, sistematicamente mais correcta ( 11 ).
2. Foram duas as alteraes clarificadoras introduzidas pela Lei No 45/1999. Em primeiro lugar, refira-se o
No 4 do artigo 11o, onde se encontra a regra que estabelece que a autorizao - quer para a prestao de
declaraes, quer para a suspenso do mandato aps a acusao, com vista ao julgamento - " solicitada