Page 20 - Revista do Ministério Público Nº 79
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Tutela a confiança no não conhecimento ou divulgação a terceiros que deve emergir de qualquer sistema 
organizado de correspondência e telecomunicações num Estado Democrático e que é condição do livre 
desenvolvimento da personalidade humana. Mas, para além dessa garantia, tutela também aquela parcela 

da vida privada que pode manifestar--se na correspondência e nas telecomunicações ( 24 ).
O direito ao sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada impede a sua violação éí
ou devassa por terceiros ou pelo Estado, mas impõe também a proibição da sua divulgação, por aqueles ú
que a ela tenham acesso, designadamente no exercício da sua profissão. Neste caso pressupõe a êâá

existncia de um dever de sigilo profissional que, em princípio, não deve ser quebrado, como forma de áó
assegurar a manutenção do segredo das comunicações ( 25 ).
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Como j se disse, os direitos fundamentais, cujos contornos acabamos de analisar ainda que de forma àãíê
perfunctria, conflituam com o interesse punitivo do Estado e os valores que lhe estão subjacentes, como à
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sejam, entre outros, a vida, a integridade física ou bens patrimoniais de elevado montante. 
A primeira via de redução desse conflito é, precisamente, o consentimento do ofendido; isto é um espaço áã
de consenso ou, por antinomia, de ausência de conflito, em observância do princípio volenti non fit injuria ã
( 26 ), como expressão da autonomia pessoal ( 27 ), constitucionalmente tutelada, e, por vezes, também de á
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interesses legtimos do respectivo titular ( 28 ). De facto, é a própria Constituição que considera a vontade êãááõ
ou o acordo da pessoa como condição da entrada no domicílio dos cidadãos, fora dos casos previstos na áé
lei ou sem o competente mandado judicial, numa manifestação de que o próprio Estado pretende 
ultrapassar, por via do consenso, as situações de conflito (cfr. artigo 34o, No 2, da Constituição da õ
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Repblica Portuguesa) ( 29 ).
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Mas nem sempre o consentimento será válido e eficaz. Desde logo, porque os direitos fundamentais, para 
alm de uma dimenso subjectiva de matriz liberal, garantidora do cidadão face ao poder do Estado, têm ãàáí
hoje uma dimenso objectiva, enquanto valores ou fins estruturantes de determinada comunidade, ç
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essenciais  sobrevivncia do Estado de Direito ( 30 ). Esta vertente objectiva dos direitos fundamentais ç
implica que a dimenso ou alcance da sua validade jurídica seja parcialmente determinada pelo seu 
reconhecimento comunitrio e no apenas pela vontade dos titulares ( 31 ). O que tem como consequência ã
a diminuio da rea de autonomia pessoal, pois não é possível prescindir da garantia e protecção de çá
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certos direitos fundamentais, tanto mais que ninguém pode, sem mais, alterar os princípios estruturantes çãç
da sociedade e do Estado, nomeadamente os princípios fundamentais do processo penal ( 32 ). É que õã
estes princpios de garantia individual tutelam também interesses do próprio Estado, como seja o de que o ó
processo penal decorra segundo as normas de um Estado de Direito, até porque aceitar, sempre, a ó
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relevncia do consentimento pode lanar suspeitas sobre aquele que, embora inocente, não consente. ã
Depois, porque o Estado podia manobrar o consentimento por forma a legitimar e a justificar socialmente a âã
sua conduta. Ou seja utilizar o consentimento para tornar comunitariamente aceitáveis agressões aos ã
direitos fundamentais que, de outra forma, seriam inaceitáveis e intoleráveis.

Finalmente, porque h casos de manifestaes no livres do consentimento ( 33 ), determinadas pela õ
desigualdade dos intervenientes. De um lado as instncias formais de controlo. Do outro o indivíduo, por 
vezes totalmente abandonado  sua sorte. O consentimento será irrelevante porque o titular do bem 
jurdico lesado no est num posio de paridade com o Estado, que Ihe permita escolher de forma válida 

e livre. Evitando-se, assim, a suspeita de que o consentimento só foi possível dada a situação de 
desigualdade existente no processo penal e a consequente perturbação da vontade do mais fraco.
Disto mesmo se faz eco o artigo 126o do Cdigo de Processo Penal, ao prescrever a nulidade de 
determinadas provas, mesmo que consentidas. Este regime afasta o acordo como via de superação da 
conflitualidade e consagra a ideia de que o processo penal deve submeter-se às regras do Estado de ó

Direito ( 34 ).
O consentimento pressupe a interveno do titular do direito lesado e não da pessoa que tiver 
disponibilidade sobre ele ( 35 ). Esta questo coloca-se sobretudo nas buscas domiciliárias, mas pode

estender-se a outros meios de prova, tais como as apreenses ou as escutas telefónicas. Sendo vários os á
titulares do direito lesado, impe-se, portanto, o consentimento de todos eles. Assim, para a realização de àá
uma busca domiciliria  necessrio o consentimento de todos os habitantes da casa, pois todos eles são ç
titulares de um direito fundamental de no intromisso. O mesmo se passa nas escutas telefónicas e na éã
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correspondncia em geral, onde, em regra, a intromisso atinge os direitos do emissor e do receptor ( ). 
O consentimento, enquanto forma de superao do conflito, foi consagrado expressamente pelo legislador í
ordinrio no artigo 174o, No 4, alnea b), do Cdigo de Processo Penal, relativo s revistas e às buscas, 
devendo ficar por qualquer forma documentado nos autos.
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As restantes disposies processuais penais, nomeadamente as relativas aos meios de obtenção da 

prova, so omissas no que respeita  relevncia desta figura. Significar esta omissão a sua 
inadmissibilidade? Desde que observados os limites anteriormente expostos, isto , desde que o bem 
lesado seja livremente disponvel, que o consentimento seja prestado pelo visado ou por todos os visados 
e que tenha sido livremente formulado e manifestado no autos, cremos que, neste domnio, em princípio, ê
nada obsta  sua admissibilidade. Haver  casos em que dificilmente se colocar esta hiptese, dada a 

pluralidade de ofendidos, como acontece, por exemplo, nas escutas telefnicas.

A segunda via de superao do conflito, ainda negativamente, pela constatao da sua ausncia,










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