Page 21 - Revista do Ministério Público Nº 79
P. 21
pressupõe a rigorosa delimitação do âmbito de protecção dos preceitos constitucionais, se necessário,
recorrendo à ideia de limites imanentes aos direitos fundamentais ( 37 ).
38
Trata-se de determinar, em regra, por via interpretativa ( ), se «a esfera normativa do preceito em causa
inclui ou não uma certa situação ou modo de exercício» ( 39 ). Poderá utilizar-se o domicílio para cometer ãâ
um atentado terrorista, a correspondência ou o telefone para cometer um crime de injúrias? É evidente que ó
no. A própria Constituição não prevê essas formas de utilização abusiva daqueles direitos. É que, se
úó
«num caso concreto, se põe em causa o conteúdo essencial de outro direito, se se atingem àíéééç
intoleravelmente a moral social ou valores e princípios fundamentais da ordem constitucional, deverá áçíáã
resultar para o intérprete a convicção de que a protecção constitucional do direito não quis ir tão ãí
longe» ( 40 ). É a própria Constituição que não protege essas formas de utilização do direito fundamental,
ãúú
nomeadamente quando estas integram um ilícito criminal ( 41 ).
É
Esta ideia foi consagrada no artigo 174o, No 4, alínea a) e no artigo 177o, No 2, do Código de Processo çç
Penal, relativos às revistas e às buscas em lugar : reservado ou não livremente acessível ao público ou ããç
42 àóããê
domicilirias ( ), mas também, e de forma mais clara, no artigo 187o, No 1, alínea e), do mesmo : ãêçó
diploma, relativo s escutas telefónicas. É que, no primeiro caso, poderá haver situações em que êõ
verdadeiramente no está em causa a utilização do direito à reserva da intimidade da vida privada ou do ãáç
direito inviolabilidade do domicílio para além dos limites que Ihe são conferidos constitucionalmente. óóç
Efectivamente, pode no haver qualquer conexão, que não de mera coincidência, entre a inviolabilidade do áõ
í
domiclio ou os locais referidos e o crime de terrorismo, violento ou organizado, ' cuja prática está eminente íâ
( 43 ). Este preceito dever, pois, ser interpretado restritivamente, aplicando-se apenas nos casos em que
aqueles esto a ser utilizados para a prática de terrorismo ou de crimes violentos ou altamente ççõõíç
organizados, que ponham em grave risco a vida ou a integridade física de outrem.
õãêã
Por outro lado, do confronto entre os dois regimes resulta que, enquanto nas revistas e nas buscas a
constatao da existncia de limites imanentes aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados êú
tem como consequncia alteraes na entidade competente para a sua " autorização (artigo 174o, No 4 e
artigo 177o, No 2, do Cdigo de Processo Penal), no sentido de uma maior facilidade na sua concessão, úéç
nas escutas telefnicas a consequncia é, apenas, a extensão do seu regime a crimes de menor ã
á
gravidade, como, por exemplo, o de injrias. Esta diversidade de regimes radica na especial danosidade é
social das escutas telefnicas por contraposição às revistas e às buscas. É que, enquanto nestas existe êç
uma nica violao, que atinge um nmero determinado de pessoas e que se manifesta exteriormente, nas áã
escutas a violao do correspondente direito fundamental é continua, atinge um número não determinável
de indivduos e no se manifesta em actos exteriores, pelo que os ofendidos podem continuar a ser çã
í
escutados, sem o saberem ( 44 ).
á
Para alm das situaes legalmente reconhecidas e consagradas, existem outras em que é evidente que o çá
respectivo direito est mesmo a ser utilizado para além do âmbito que constitucionalmente Ihe é õ
reconhecido. o caso da utilizao da inviolabilidade do domicílio para cometer um crime de sequestro ou
é
de rapto, do sigilo da correspondncia para remeter uma carta armadilhada ou das telecomunicações para çí
extorquir ou corromper outrem. Face ao silncio da lei, poderão as instâncias formais de controle, o ã
Ministrio Pblico ou o Juiz, aplicar analogicamente (artigo 4o do Código de Processo Penal) os preceitos
homlogos, no sentido de a incluir tambm estas situaes?
ã
ó
êãàç
çãâã
ã
Suponhamos, por exemplo, que um conhecido empresrio foi raptado, sendo exigido um elevado resgate,
que a polcia tem conhecimento do local onde aquele se encontra e que a sua vida está em perigo, pois ã
terminou o prazo para a entrega do resgate, sem que essa exigncia tenha sido satisfeita. Poderá o à
Ministrio Pblico autorizar uma busca domiciliria? E as provas ento obtidas serão válidas ou não ( 45 )? éç
No sentido da sua admissibilidade milita, desde logo, o facto de no estarmos perante restrições aos íãç
ã
direitos fundamentais, mas sim perante a rigorosa delimitao, em regra por via interpretativa, do seu ê
mbito de proteco, depois razes de eficcia e celeridade do sistema processual penal.
ã
Em sentido inverso militam razes se segurana jurdica, tanto mais que no lquido que mesmo aqueles á
que transgridem as normas jurdicas possam, sem mais, ser abandonados sua sorte, desmerecendo a ç
46 ã
sua tutela ( ). ã
S que, se uma das funes do direito processual penal a proteco dos direitos fundamentais, nestes
casos, a faceta que se pretende proteger no est includa no mbito de proteco da norma, não
gozando, em termos processuais, da respectiva garantia. E no se diga que esta viso das coisas é ç
õ
geradora de insegurana jurdica, nomeadamente no que concerne identificao de tais situaes. Desde
logo, porque nos casos de maior danosidade social (escutas telefnicas e apreenso de correspondência)
continua a ser o Juiz de Instruo a entidade competente para as autorizar. Depois, porque nas buscas çç
domicilirias, embora seja dispensada a autorizao judicial, continua a ser necessria a intervenão de ã
47
um magistrado, autnomo e vinculado a critrios de objectividade e legalidade ( ). Finalmente, mesmo
quando podem ser as instncias formais de controle, porque estas devem comunicar, de imediato, a
realizao da diligncia ao Juiz de Instruo, para efeitos de apreciao e validao, sob pena de nulidade.
Regime que se justifica pela sua menor danosidade social, pela manifesta urgncia na realizao da