Page 23 - Revista do Ministério Público Nº 79
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competem apenas aos Juízes, por força da própria Constituição - artigo 202o, No 2 ( 57 ). Aliás, as
proibições de prova, embora se encontrem previstas no Código de Processo Penal, têm, entre nós,
natureza essencialmente material ou substantiva. Compete, pois, ao Juiz, no caso concreto, declarar qual
dos interesses deve prevalecer. Se o interesse punitivo do Estado, se os direitos fundamentais, cuja ããÉá
restrição se pretende.
Este regime foi consagrado, em termos genéricos, no artigo 268o e no artigo 269o do Código de Processo çõóó
Penal (actos a praticar pelo Juiz de Instrução e actos a ordenar ou autorizar pelo Juiz de Instrução, çãá
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respectivamente), mas também em termos concretos, no artigo 177o, no artigo 179o, no artigo 180o e no ã
artigo 187o, todos do Código de Processo Penal respeitantes às buscas domiciliárias, à apreensão de ããé
correspondência, à apreensão em escritório de advogado e às escutas telefónicas.
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Pode, todavia, questionar-se da constitucionalidade, entre outros, do artigo 174o, No 3, do Código de ó
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Processo Penal, na medida em que atribui competência ao Ministério Público para ordenar revistas e í
buscas no domiciliárias, que podem conflituar com o direito à reserva da intimidade da vida privada, éáí
desenvolvido nesses lugares reservados ou não livremente acessíveis ao público. Nestes casos, isto é, çóç
quando houver conflito, a realização da diligência pressupõe sempre a necessária autorização judicial, sob íãã
pena de dever ser considerada abusiva e, como tal, nula e não utilizável para efeitos probatórios.
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Dentro do campo constitucionalmente demarcado, cujos contornos acabamos de recensear, válido quer
para os particulares quer para o Estado, o legislador tem legitimidade para criar um sistema processual éçá
penal assente fundamentalmente em opções de política criminal, visando a eficácia da justiça penal. ãí
Opes que prestam tambm homenagem ao princípio do tratamento diversificado da criminalidade mais úçá
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grave e altamente organizada, de que parecem constituir afloramentos, entre outros, o artigo 143o, No 4 e o óá
artigo 187o, No 2, alnea a), do Cdigo de Processo Penal (
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58 ).
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Na sua actividade de criao normativa o legislador pode ocupar até à exaustão todo aquele campo í
constitucionalmente demarcado ou, ao invés, ocupar apenas parcelas de maior ou menor dimensão. O que áá
no pode fazer ultrapass-lo, pois se o fizer as pertinentes normas serão inconstitucionais e as provas
obtidas nulas e de nenhum efeito.
Confrontando o nosso sistema legal, resulta evidente que o legislador ordinário não preencheu toda a áóé
margem constitucionalmente permitida, designadamente no que concerne à reserva da intimidade da vida
privada e familiar ( 59 ). Este facto no pode, todavia, significar a possibilidade de utilizar meios de prova ç
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no previstos na lei, mas constitucionalmente autorizados, como resulta da simples leitura do artigo 34o, No éõ
2 e 4, da Constituio da Repblica Portuguesa.
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que o princpio da procura da verdade a todo o custo e independentemente dos direitos pessoais
atingidos foi substitudo pelo princpio da verdade material ( 60 ) lograda por meios intraprocessualmente
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vlidos e no respeito dos direitos fundamentais dos suspeitos. Direitos fundamentais esses que destinam- ãí
se a proteger o indivduo perante o arbtrio do Estado e cuja compressão, além da necessária autorização ã
constitucional, deve constar de lei ou, pelo menos, decreto-lei autorizado. Este «requisito de lei formal
significa tambm, no direito constitucional vigente, a exigncia de uma "cadeia ininterrupta de legitimidade ã
legal" relativamente aos actos que, concretamente, restringem direitos, liberdade e garantias. Através é
desta exigncia, exclui-se a possibilidade de limitaes que no tenham fundamento na Lei» ( 61 ). Se não çí
fosse assim, seria o aplicador do direito a definir, em concreto, a amplitude, o sentido e a oportunidade da ãã
restrio dos direitos fundamentais, com os consequentes riscos ao nível da segurança jurídica do íí
cidado. Assim, o princpio da admissibilidade das provas que no forem proibidas por lei, consagrado no
artigo 125o do Cdigo de Processo Penal, h-de, no que respeita a provas que pressuponham uma
intromisso, ainda que mnima, nos direitos fundamentais, respeitar as exigências constitucionais áã
anteriormente expostas.
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Tem-se discutido se o regime das escutas telefnicas manifesta o princpio do tratamento diversificado da á
criminalidade mais grave, como tal, aplicvel analogicamente aos restantes meios de prova ou se, pelo ã
contrrio, constitui um regime especfico deste meio de prova, caracterizado pela sobreposição do ç
interesse pblico na perseguio criminal aos interesses e direitos individuais ( 62 ). Acontece, porém, que ã
o princpio do tratamento privilegiado da criminalidade mais grave no aflora s no regime das escutas í
telefnicas ( 63 ) e que estas nem sempre prestam homenagem ao referido princpio. As escutas
telefnicas devem, assim, ser entendidas como a consagrao de um juzo de ponderao de interesses a
que no alheia a ideia de eficcia funcional da justia penal ( 64 ), no sentido de que aquelas só são
admissveis, quando revelarem grande interesse para a descoberta da verdade. Trata-se da consagração
processual dos princpios constitucionais da necessidade, adequao e proporcionalidade, através da
atribuio de carcter subsidirio s escutas telefnicas. Os crimes do catlogo apresentam-se, assim,
como a «enumerao taxativa e fechada atravs da qual o legislador procurou plasmar e dar expressão
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positivada ao juzo de proporcionalidade» ( ). No entanto, a figura que corresponde ao regime das
escutas telefnicas, em termos de dogmtica penal, a legtima defesa e no o estado de necessidade.
Concebe-se que o Estado se defenda das agresses de que vtima, mas j no se aceita que se