Page 24 - Revista do Ministério Público Nº 79
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encontre em estado de necessidade. A menos que o próprio Estado esteja em crise. 
Pode acontecer que a obtenção de determinada prova, com abusiva intromissão na vida privada, no 
domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, torne possível a realização de novas diligências 
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probatórias contra o arguido ou contra terceiro ( ). Nestes casos põe-se a questão de saber qual a ã
influência do vício que afecta a prova inicial ou directa na prova secundária ou indirecta, designadamente 
se este vício provoca uma reacção em cadeia, impedindo a utilização das provas consequenciais. É o á
problema do «efeito à distância» ou da doutrina do fruit of the poisonous tree, de origem americana ( 67 ). A ç
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doutrina germânica e os autores americanos têm divergido nas soluções a dar ao problema. Convergem, ã
no entanto, no sentido da inadmissibilidade, quer da irrestrita relevância das provas consequenciais, quer íã
da sua total inutilização. No sentido da sua relevância apontam critérios como o interesse protegido pela ççã
norma jurdica violada, a gravidade da lesão, a inexistência de um nexo causal entre a prova inicial e a âãá
prova final e a probabilidade de obtenção da prova secundária, independentemente da violação. Em çã

sentido inverso invoca-se, sobretudo, que a utilização das provas subsequentes permitiria ultrapassar as óçí
proibies de prova, pelas instâncias formais de controlo ou por particulares, comprometendo os seus çã
objectivos ( 68 ). àé
No que, entre ns, respeita às provas obtidas em consequência da violação inicial da vida privada, do ãáã
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domiclio, da correspondência ou das telecomunicações, a Constituição da República Portuguesa, uma vez êóçõ
mais, conformou juridicamente a solução do problema, ao prescrever a nulidade das provas iniciais ( 69 ). O â
que tem como consequncia a invalidade daquele acto e dos que dele dependerem e aquela puder afectar â
(artigo 122o, No 1, do Cdigo de Processo Penal). E não poderia ter sido outra a solução, pois estamos ãçàç
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perante direitos ou interesses individuais, cuja violação contende com a dignidade da pessoa ( 70 ). É certo ãàã
que segundo Gonalves, Manuel Maia ( 71 ) as nulidades previstas no artigo 126o, No 3, do Código de ç
Processo Penal dependem de arguição, podendo ser sanadas, o que teria consequências no regime do ã
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efeito  distncia. Se a nulidade fosse tempestivamente arguida, a prova consequente não seria admitida, ç
mas se a nulidade no fosse arguida a prova consequente já seria admissível. É evidente que as coisas íãâ
no podem ser assim. Desde logo, porque esta tese não encontra qualquer apoio legal. Com efeito, o 
artigo 32o, No 8, da Constituio da República Portuguesa não faz qualquer distinção entre as provas ó
previstas na primeira parte e as provas previstas na segunda parte, sendo o desvalor idêntico em ambos 
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os casos. Acresce, que o artigo 126o, No 3, do Código de Processo Penal, ao estabelecer que são 
igualmente nulas as provas a previstas, remete para o No 1, onde prevê que as provas não podem ser, éí
pura e simplesmente, utilizadas ( 72 ). Depois, porque, embora as proibições de prova sejam entre nós uma ç
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figura, de certo modo, paralela  das nulidades, o facto é que não se confundem ( ). Finalmente, porque 
estamos perante proibies de prova destinadas a evitar os atentados mais gravosos quer à dignidade ó
pessoal, quer aos valores que num Estado de Direito lhe andam directamente associados ( 74 ). á
A Constituio da Repblica Portuguesa ao estabelecer a nulidade das provas obtidas mediante abusiva 
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intromisso na vida privada, no domiclio, na correspondncia e nas telecomunicações consagra, assim, çç
um amplo efeito  distncia, que dever ser respeitado pelo legislador ordinário, sob pena de ãã
inconstitucionalidade e que dever, tambm, ser considerado na interpretação dos correspondentes 
preceitos da lei ordinria.


Durante a realizao de uma escuta telefnica ( 75 ) legalmente autorizada a entidade policial pode tomar ç
conhecimento de outros crimes praticados pelo arguido, por um suspeito ou por um terceiro ( 76 ). Estes
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factos novos tanto podem constituir o objecto da investigao em curso, como não ter com ela qualquer 

conexo. No primeiro caso so o objectivo da prpria investigao, no segundo são conhecimentos 
meramente fortuitos. Coloca-se, ento, o problema da distino entre uns e outros, no sentido de apurar da ãç
sua admissibilidade e relevncia. Este problema, paralelo ao do objecto do processo, tem sido resolvido, íã
dada a sua fluidez, no pela criao de um critrio distintivo, mas pela identificação das situações que de 
forma clara pertencem a uma ou a outra das figuras e reconhecendo aos conhecimentos fortuitos um 

carcter residual ( 77 ). Nesta medida tem sido assinalado que os conhecimentos de investigação 
abrangem os factos que esto em concurso ideal aparente com o crime que se investiga, os que estão 
numa relao de comprovao alternativa de factos, os que constituem o objectivo de uma associação 
criminosa, as formas de comparticipao, de favorecimento pessoal, de auxlio material ou de receptação á

( 78 ), nada obstando, nestes casos,  sua valorao.
Os restantes, isto , os conhecimentos fortuitos stricto senso, suscitam complexas questões, de difícil 
resoluo, no que concerne  sua relevncia jurdico-processual. 
Embora em princpio inadmissveis, por deverem ser considerados abusivos, podem excepcionalmente ser 

admitidos, desde que se trate de um dos crimes do catlogo (mesmo que no seja aquele que se encontra 
em investigao e que determinou a escuta) e quer tenha sido perpetrado pelo arguido, quer por um ã
terceiro, suspeito ou no ( 79 ).
Fora do catlogo, os conhecimentos fortuitos so, ainda, relevantes mas apenas quanto aos crimes 
ç
praticados por uma associao criminosa ou por um grupo terrorista, desde que o crime de associaão 
criminosa e terrorismo seja imputado ao arguido, ao menos, na acusao, pois se assim no fosse 
facilmente se poderia tornear o regime do catlogo.
Todavia, em ambos os casos, acresce uma exigncia suplementar, baseada no carcter excepcional e










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