Page 30 - Revista do Ministério Público Nº 79
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Revista:
No 79 - 3o trimestre de 1999
Autor:
Jorge Dias Duarte
(Procurador-adjunto)
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Capítulo:
áEstudos
Título:
Crimes de abuso de confiança e de infidelidade
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Pgina:
69
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Crimes de abuso de confiança e de infidelidade
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I - INTRODUÃO
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Sendo certo que o bem jurídico tutelado em todo o Título II do Livro II do Código Penal - no qual se óã
inserem ambos os tipos criminais em análise - é o património, e tendo em atenção que o bem jurídico í

protegido deve entender-se como "o valor ideal de ordem social juridicamente protegido, em cuja ó
conservao tem interesse a comunidade e que pode atribuir-se, como seu titular, tanto ao particular como 
 colectividade" ( 1 ), importará esclarecer, antes do mais, qual o significado a atribuir à expressão çàá
"patrimnio", pois que "apesar de caber no conceito de património o conceito de propriedade não o esgota, ã
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uma vez que abrange realidades jurídicas que ultrapassam as da propriedade" ( 2 ) ( 3 ).
Assim, e partindo de uma concepção jurídico-económica de património, poder-se-á afirmar que o mesmo 
englobar todos os bens e direitos economicamente avaliáveis, que sejam detidos pelo respectivo titular çç
em virtude de uma relao reconhecida pelo ordenamento jurídico ( 4 ), do que resulta que o património ããê
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compreende os direitos com valor económico, i.e., avaliáveis em dinheiro, de que é titular uma pessoa, ç
englobando a propriedade material sobre coisas físicas e os direitos reais em geral, a propriedade imaterial çá
(direitos de autor, direitos de marca e patente, etc.), a posse e os direitos de crédito obrigacionais ( 5 ). 
Desta forma, e pese embora se possa já adiantar que ambos os crimes em análise pressupõem uma ãí

relao fiduciria, i.e., uma relao de confiança, torna-se evidente que o âmbito de protecção assegurada 
pelos crimes de abuso de confiana e de infidelidade não se confunde, já que o primeiro tutelará 
primacialmente a propriedade, enquanto o segundo tutela situações em que, para além da propriedade, ç
esto em causa outros direitos com valor ou expressão económica, como resulta, aliás, da própria inserção íã
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sistemtica destes crimes ( ).

II - O Crime de Abuso de Confiana
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II. 1 -  luz do Cdigo Penal de 1886
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No artigo 453o do Cdigo Penal aprovado pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886, era punido "com as 
penas correspondentes s penas de furto", (previsto pelo artigo 421o do mesmo diploma legal, e agravado 
nos casos previstos no respectivo artigo 426o, no respectivo artigo 427o, no respectivo artigo 428o), "aquele á

que desencaminhar ou dissipar ( 7 ), em prejuzo do proprietrio, ou possuidor ou detentor, dinheiro ou 
coisa mvel ou ttulos ou quaisquer escritos, que Ihe tenham sido entregues por depósito, locação, 
mandato, comisso, administrao, comodato, ou que haja recebido para um trabalho, ou para uso ou í
emprego determinado, ou por qualquer outro ttulo, que produza obrigação de restituir ou apresentar a 

mesma coisa recebida ou um valor equivalente", sendo a mesma pena aplicada "àquele que, (nos mesmos é
moldes), gravar ou empenhar qualquer dos efeitos nele mencionados, quando com isso prejudique ou 
possa prejudicar o proprietrio, possuidor ou detentor", (§ 1o do citado normativo legal).
Ainda de harmonia com o disposto no § 2o do artigo 453o, ao crime de abuso de confiança era aplicável o éíá
regime do artigo 430o e do artigo 431o daquele Cdigo, que regulavam, respectivamente, o "crime 
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particular de furto" e os "casos em que no tem lugar a aco criminal pelos crimes de furto". 
 luz deste diploma legal, escrevia Maia Gonalves que "o crime de abuso de confiança supõe uma 
entrega lcita de dinheiro, coisa mvel, ttulo ou escrito", sendo que "porm, a entrega há-de ser feita por 
ttulo que no implique transferncia de propriedade nem justifique a apropriao, mas antes obrigue à 
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restituio ou a um uso ou fim determinado" ( ) ( )
Na vigncia do mesmo diploma, escrevia o Professor Beleza dos Santos que " preciso que o agente:

1o - saiba que o objecto material do crime se encontra em seu poder por um ttulo que implica a obrigação 
de restituir ou apresentar esse objecto, ou valor equivalente, ou de o aplicar a certo fim; 

2o - queira desencaminh-lo ou dissip-lo, ou saiba que a sua conduta causar esse resultado; 
3o - preveja que deste descaminho ou dissipao resultar um prejuzo ou perigo dele para o proprietário, 
possuidor ou detentor", assim afirmando que "este querer ou saber podem ter as modalidades que 
constituem o dolo em qualquer das suas formas: inteno, dolo directo ou dolo eventual", e acrescentando, 
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ainda que " essencial que o agente tenha o propsito de dispor do objecto entregue como se fosse 
proprietrio, de se apropriar dele em seu favor ou em proveito alheio" ( 10 ).
Quanto ao elemento "entrega" ( 11 ), escrevia o Professor Eduardo Correia que "o abuso de confiana










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