Page 32 - Revista do Ministério Público Nº 79
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No mais mantêm-se, no essencial, válidas as considerações já atrás expostas e que caracterizavam os
diversos elementos do tipo em análise, nomeadamente no que se refere ao elemento "entrega" e à ê
conduta do agente deste ilícito.
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II. 3 - Com a revisão operada pelo Decreto-Lei No 48/1995, de 15 de Março
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Actualmente, dispõe o artigo 205o do Código Penal de 1982, revisto pelo Decreto-Lei No 48/1995, de 15 de ããé
Maro, que é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa "quem ilegitimamente se ãç
apropriar de coisa móvel que Ihe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade", sendo a ãéã
pena de priso até cinco anos ou multa até 600 dias quando a coisa for "de valor elevado" ( 17 ), (No 4, áá
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alnea a) do citado preceito legal), ou de 1 a 8 anos de prisão quando a coisa for de "valor íí
consideravelmente elevado" ( 18 ) (No 4, alínea b) do mesmo preceito legal), ou quando "o agente tiver ó
recebido a coisa em depósito imposto por lei em razão de oficio, emprego ou profissão, ou na qualidade de ãáçãç
tutor, curador ou depositário judicial" (No 5 do mesmo preceito).
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Verifica-se, assim, que o objecto do crime de abuso de confiança é sempre e necessariamente uma coisa áí
mvel relativamente qual o agente detinha já a posse ou detenção, consumando-se o crime com a
inverso de tal ttulo, i.e., quando o agente a integra no seu próprio património, dela passando a dispor "ut óíéá
dominus", desta forma invertendo o título de posse ( 19 ).
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Neste sentido veja-se o Acrdo do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Janeiro de 1994 ( 20 ), onde se óçé
afirma que "o crime de abuso de confiança consuma-se quando o agente, que recebe a coisa por título não éã
translativo de propriedade, para lhe dar determinado destino, dela se apropria, passando a agir animu ã
domini. Essa inverso do ttulo de posse carece de ser demonstrada por actos objectivos, reveladores de í
é
que o agente j est a dispor da coisa como se fosse sua".
No mesmo sentido veja-se tambm o Acórdão de 24 de Maio de 1995, da Relação do Porto ( 21 ), onde se
l que "continuando a coisa em poder do agente, não tendo por ele sido alienada ou consumida, a simples á
negativa de restituio ou omisso de emprego para determinado fim não significa, necessariamente, ã
apropriao ilegtima", pois que "a inverso do título de posse carece de ser demonstrada por actos áéá
objectivos, reveladores de que o agente j est a dispor da coisa como se sua fosse" ( 22 ).
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De igual modo, refere Jos Antnio Barreiros que "o evidenciar-se que o agente alienou, onerou, destruiu áíó
ou danificou deliberadamente a coisa que estava em seu poder são factos objectivos que evidenciam a áú
áãíã
apropriao relevante para caracterizar o abuso de confiança" ( 23 ). çãêó
Mas, se certo que a apropriao se caracterizar, as mais das vezes, por uma conduta positiva, como á
observa Jos Antnio Barreiros "a mera omisso pode consubstanciar já o necessário para a consumação ã
deste tipo de ilcito"; ser o caso, citado, por este autor, de "quem, tendo recebido dinheiro para efectuar
um pagamento, o no efectiva, consumando-se o crime no momento em que omite o cumprimento a que
estava obrigado" ( 24 ).
Como sublinham Jean Pradel e Michel Danti-Juan, "o elemento material do abuso de confiança encontra- êó
se preenchido a partir do momento em que o proprietrio da coisa confiada já não pode exercer os seus
direitos sobre ela em resultado da conduta fraudulenta daquele que a detinha" ( 25 ). ãç
Importar aqui salientar que o dolo do agente pode manifestar-se no apenas a uma coisa concreta, mas
abranger todas as coisas mveis que integrem uma dada universalidade que lhe foi temporariamente áçã
entregue, (ser o caso, por exemplo, do comodatrio que decide fazer suas todas as alfaias agrícolas que ó
lhe foram emprestadas pelo seu legtimo proprietrio, para que as utilizasse durante uma dada campanha
agrcola) ( 26 ).
Quanto ao elemento entrega, verifica-se que essencial que a coisa mvel objecto do crime de abuso de ç
confiana tenha sido previamente entregue, por ttulo no translativo da respectiva propriedade, ao agente ã
do ilcito, anotando Simas Santos e Leal Henriques que "para que se verifique este elemento basta que o
agente esteja investido de um poder sobre a coisa que lhe d a possibilidade de a desencaminhar ou çá
dissipar, no sendo necessrio um prvio acto material de entrega do objecto" ( 27 ).
Tal formulao expressamente acolhida no Acrdo do Supremo Tribunal de Justia, de 28 de Fevereiro
á
de 1996, no qual se adianta que "basta que, por mandato ou administrao, o agente fique com a é
faculdade de dispor da coisa de maneira a ser possvel desencaminh-la ou dissip-la, como sucede com
o gerente de uma cooperativa que tem poder sobre o patrimnio desta, sem que tenha havido um acto
concreto de entrega" ( 28 ).
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Tambm Cuello Caln afirma que " a entrega da coisa pode ter lugar de modo expresso e manifesto, o
qual o normal, ou tacitamente, sendo indiferente que seja efectuada pelo seu proprietrio ou possuidor, á
ou por um terceiro, sempre que actue em representao daqueles. (...) Em qualquer caso necessrio que
a coisa tenha sido entregue ao agente em razo da confiana que inspirava e esta uma das
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caractersticas mais salientes deste delito" ( ).
Desdobrando-se este ilcito, como se referiu j, em trs graus de punio distintos, verifica-se que o crime
de abuso de confiana simples um crime semi-pblico, assim estando o respectivo procedimento criminal
dependente de queixa, (cfr. No 3 do artigo 205o do Cdigo Penal), revestindo mesmo a natureza de crime