Page 2 - REvista do Ministério Público Nº 81
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Revista: No 81 - 1o trimestre de 2000
Autor: João Luís Pena dos Reis
Capítulo: Nota de Abertura
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Título: Os tribunais e os sonhos de pureza
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Os tribunais e os sonhos de pureza
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Qualquer que seja a especificidade da abordagem sobre o nosso sistema de administração da justiça, ela àá
tem que partir de um postulado básico, que enunciaremos assim:
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Os tribunais constituem historicamente e constituem hoje a parte do aparelho de Estado que o processo de à
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uma dada correlaão de forças sociais e políticas conseguiu erigir para regular os efeitos e as ççãà
consequncias da parte das suas contradições que degeneraram em conflitos, em colisões. ãçé
Estabelecido este postulado, ele permitirá desfazer alguns dos equívocos largamente espalhados no 
debate pblico sobre tal tema, frequentemente sob a forma de lugares comuns pacificamente aceites, ç
apesar de questionveis.
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Este ponto de partida começa por permitir contestar a ilusão de que a Justiça, os tribunais, o próprio ççê
Direito, so conceitos ou realidades "puras“, "sacrais“, alheias ou indiferentes à circunstância social e ãç
poltica que os realizam. ã
Esse ilusrio alheamento, esse sonho a-histórico, esconda-se onde se esconder, não tem refúgio possível. éúç
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O hermetismo de tanta linguagem jurídica, o ocioso formalismo de tantas justificações legais ou êç
jurisprudenciais, ou floreados da tcnica, a deriva labiríntica da teoria, da própria lei e da sua interpretação ããí
pelos tribunais, ou so sintonia duma paralisia, duma impotência, ou são a máscara de escolhas contrárias 
s exigncias sociais maioritrias.
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Quer num caso, quer noutro, esse resduo palavroso é a marca de embates políticos e sociais que ã
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atravessam toda a sociedade, o aparelho de Estado e portanto também os tribunais. á
O mesmo olhar pode ser lanado sobre a persistência de formas organizativas e de administração não çúí
democrticas, de sistemas fechados, burocrticos, herdados de uma outra ordem, de um outro momento ç
histrico, em contradio com as exigncias actuais.
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O feixe de conceitos e projectos que so englobados na formulação de Estado de Direito Democrático e a 

sua relao conflitual e dinmica com a realidade social objectiva revelam o núcleo de tais embates. íí
A simultnea afirmao do contedo democrtico do Estado e da exigência de que ele realize o Direito í
defronta poderosos interesses econmicos, sociais e polticos, que são constrangidos por essa afirmação. à
E ainda que a resistncia e obstruo se no faa explicitamente, por contrariar aspirações profundamente 

enraizadas no corpo social, a objectiva dominao social desses sectores, de raiz classista, encontra ô
poderosas formas de interveno.
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 assim que os tribunais sentem profundamente obstaculizada ou condicionada a sua intervenção quando 
so chamados a regular os efeitos de conflitos em que esses sectores de poder têm interesse directo, í
qualquer que seja o ramo do direito, mas com especial dramatismo no direito criminal. ç
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Esses obstculos e condicionamentos extravasam rapidamente o mundo do foro e ocupam 
frequentemente a arena do confronto poltico pblico, designadamente através dos meios de comunicação 
social.
Finalmente eles podem assumir a forma de campanha geral de contestação da própria autoridade do ã
Estado e do seu papel na administrao da justia, procurando generalizar uma imagem pública de caos 

do seu funcionamento e de desprestgio do mesmo. 
Tudo serve para tal fim.
Insuficincias reais, insuficincias fictcias e as artificialmente provocadas. Dramatização dos conflitos, ó
ainda que mnimos ou puramente inventados, entre os corpos profissionais que desempenham função na 

administrao da justia. Produo de um contnuo rudo de fundo, uma cacofonia onde é cada vez mais à
difcil ver claro.
Mas  possvel ver claro. 
Qual  a mais evidente exigncia social relativamente  parte do aparelho do Estado que administra a á
justia, isto  aos Tribunais? 
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Essa exigncia  a de que eles desempenhem a sua funo, afirmando o Estado de Direito, com 
subordinao  lei e  justia. ê
Essa exigncia recai antes de mais sobre o poder poltico que tem que dar resposta s insuficincias de 
pessoal ou materiais que entravam o sistema. E que deve intervir legislativa e administrativamente na 
resoluo de deficincias processuais ou organizativas suficientemente detectadas e compreendidas. Mas 

que deve resistir  tentao de estar permanentemente a pr em questo a estrutura bsica do nosso 
sistema judicirio, perseguindo o sonho de um modelo "perfeito“ e celestialmente incuo. 
Depois, ela recai sobre todos os profissionais desempenhando funes nos Tribunais, comeando pelos 
magistrados, a quem  exigido que se afastem do pesadelo narcsico de que foi transferida para as suas










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