Page 4 - REvista do Ministério Público Nº 81
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Revista:
No 81 - 1o trimestre de 2000
Autor:
Maria Fernanda Palma
(Prof. Associada F.D.L. e da U.N. / Juíza do Tribunal Constitucional )
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Capítulo:
áEstudos
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Título:
Timor: Um problema de Direito Internacional Penal
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Pgina:
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Timor: Um problema de Direito Internacional Penal (*)
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1. As perseguições, matanças e destruições de que foi vítima a sociedade timorense, em virtude das çóê
actividades criminosas das chamadas milícias, na sequência do referendo realizado sob a tutela das ãã
Naes Unidas, em que maioritariamente foi votada a independência do território, mostraram ao mundo a ç
tentativa de destruição de uma sociedade na sua existência física e institucional por uma motivação õõê
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essencialmente poltica.
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A caracterstica essencial da actividade criminosa que chocou toda a gente residiu, exactamente, no brutal ó
espezinhamento do direito de um povo à autodeterminação e independência (já reconhecida no plano
internacional). í
A originalidade do caso de Timor relativamente aos casos que determinaram a constituição de tribunais ãíçã
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internacionais foi, assim, no só a sobreposição às razões étnicas ou religiosas de razões de natureza
poltica e, de entre elas, a rejeição da escolha democrática de um povo e do seu direito à çãçãá
autodeterminao, como ainda o directo e violento menosprezo pela ordem internacional emanada das
Naes Unidas, atravs da aprovação do referendo.
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O caso de Timor , assim, directamente caracterizável como uma tentativa de negação da ordem õãç
internacional estabelecida pelas Naes Unidas, através de crimes contra as populações civis. ã
Timor , neste momento, aps a intervenção militar determinada pelas Nações Unidas, um território sob a çã
administrao desta organizao internacional, em que a sociedade, destruída nas suas estruturas ê
bsicas, no dispe de um normal poder punitivo. Por outro lado, durante o período em que os actos mais çõã
violentos foram cometidos, Timor no era Estado independente, mas estava sob o poderio militar da ç
potncia anexante - a Indonsia -, embora no plano do Direito Internacional Portugal continuasse a ser a ãã
potncia administrante. Por outro lado, Timor no dispunha, obviamente, nem de forças de segurança nem óã
de um accionamento normal e eficaz de qualquer poder punitivo que conferisse protecção contra crimes
praticados contra a sua populao.
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, assim, uma sociedade sem instncias penais prprias, uma espécie de terra de ninguém quanto ao í
julgamento de crimes que se apresenta perante a comunidade internacional. E essa situação é também íçá
especfica, pois este povo sem poder punitivo institudo não pode deixar de reclamar (bem como a çõã
comunidade internacional que lhe garantiu os seus direitos) que os crimes que contra si foram perpetrados
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sejam punidos.
2. Quais as solues possveis para esta situao de uma sociedade sem poder punitivo próprio, vítima de
crimes eventualmente qualificveis como crimes contra a humanidade e ainda de atentados contra a á
ordem internacional estabelecida pelas Naes Unidas? ê
Um primeiro tpico de abordagem do problema do poder punitivo em Timor passa, necessariamente, pela
anlise da competncia internacional dos tribunais portugueses em matéria penal. O facto de Portugal ter
sido a potncia colonizadora e ser reconhecido pelas Naes Unidas como potência administrante, após a
anexao pelo Estado indonsio, bem como ter sido parte no acordo internacional, outorgado sob a égide
das Naes Unidas, que autorizou e configurou a realizao do referendo de Agosto de 1999, justifica esta ç
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pergunta.
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Tero competncia, nalguma medida, os tribunais portugueses para perseguir os crimes cometidos após o
referendo?
Analisando os artigos 4o e 5o do Cdigo Penal, ter-se- de considerar a questo sob os parâmetros dos
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princpios da territorialidade e da universalidade.
No que se refere ao princpio da territorialidade, segundo o qual os tribunais portugueses têm competência ê
relativamente aos factos perpetrados no seu territrio, a resposta h-de ser negativa.
Com efeito, o artigo 5o da Constituio exclui do territrio do Estado portugus os territórios sob àç
administrao portuguesa, nomeadamente Macau, que se regeu por estatuto adequado sua situação ãêç
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especial (artigo 292o da Constituio). No que respeita a Timor Leste, a nica vinculao do Estado à
portugus contemplada na Constituio (artigo 293o) respeita aos deveres assumidos por Portugal de
promover, de acordo com o Direito Internacional, o direito autodeterminao e independncia daquele
territrio.
Tais deveres no implicam qualquer extenso do princpio da territorialidade porque se referem actuação
do Estado portugus no plano internacional e no a uma interferncia directa na organizao do poder
poltico interno do territrio timorense. à
J , porm, questionvel se entre as responsabilidades que vinculam o Estado portugus relativamente
garantia da autodeterminao e independncia de Timor se integra uma responsabilidade punitiva quanto