Page 11 - Revista do Ministério Público Nº 49
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Revista:
No 49 - 1o trimestre de 1992
Autor:
José Augusto Sacadura Garcia Marques
(Procurador-Geral Adjunto)
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Capítulo:
áEstudos
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Título:
Sociedade Civil e Sociedade Política: afrontamentos e cooperação
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Pgina:
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Sociedade Civil e Sociedade Política: afrontamentos e cooperação
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1 Introduo
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1.1 O conceito de «sociedade civil» reveste uma peculiar complexidade, tendo sofrido influências do Óáç
pensamento filosófico, político e jurídico, ao longo dos séculos. Justifica-se que dediquemos a essa ã
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evoluo uma muito breve reflexão. çã
Desde ARISTTELES que se fala em «sociedade civil», para designar «sociedade ç
organizada» (abrangendo a forma política de organização), «sociedade civilizada», até mesmo, éõõ
«sociedade poltica» («polis = civitas»).
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Tambm para os jusnaturalistas, a sociedade civil era algo de sinónimo da «sociedade política» e de íç
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«Estado», contrapondo-se, assim, à «sociedade natural». õã
Para ROUSSEAU, a sociedade civil era equivalente a «sociedade civilizada» (não derivada de «civitas» ç
mas de «civilitas»).
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Foi HEGEL que teorizou o papel da sociedade civil, superadora da família mas superada pelo Estado. A çç
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partir da anlise hegeliana das formas e categorias de inserção social do homem, a expressão «sociedade ãçã
civil» ganha significado e relevo em contraposição à noção de Estado (sociedade política). ó
Diga-se, desde j, que  esta relao bipolar - «sociedade civil» perante a «sociedade política» - que irá áçãáçã
estar presente nas consideraes que me proponho tecer.
MARX acolheu a identidade fundamental do conceito como categoria económico-social derivada de uma ç
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economia baseada na apropriao privada dos meios de produção, fazendo corresponder a «sociedade íá
civil» a «sociedade burguesa». Por sua vez, os pensadores liberais e neo-liberais, numa diferente visão ç
bipolar da realidade social, conhecem a sociedade civil como o espaço da liberdade e da propriedade õàçóç
individual e o Estado (poltico, burocrtico, social...) como espaço de opressão colectiva, devendo-se ãã
libertar a sociedade civil da tutela do poder poltico.
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1.2 Na acepo que vamos perfilhar, a sociedade civil compreende a esfera das relações entre pessoas, 
entre grupos e entre classes sociais que se desenvolvem à margem das relações de poder que ãç
caracterizam as instituies do Estado. Por outras palavras, a sociedade civil corresponde ao espaço onde í
ocorrem e se desenvolvem as teias das relaes em que prevalecem os valores da solidariedade e 

cooperao entre as pessoas.
, assim, usual contrapor a «sociedade civil»  «sociedade militar» (ou «castrense»), e à «sociedade 
religiosa» («igrejas» ou comunidades religiosas). ó
Todavia, como j se afirmou, o outro plo da relao que se vai considerar é representado pela «sociedade 
poltica» (pelo Estado), definida como forma autnoma de poder político ou burocrático, onde é possível 
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autonomizar a «classe poltica», correspondente  «sociedade política estadual», e a «burocracia», áçã
consequncia e suporte da «sociedade administrativa estadual».
1.3 O escopo das reflexes que se vo seguir consiste no desenvolvimento de um tema que foi proposto à 
anlise de uma «mesa redonda» em que tive a honra de participar, no âmbito de um colóquio á
recentemente organizado pela Associao dos Professores Catlicos sobre a «construção da sociedade 
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civil».
Dada a minha formao de jurista, privilegiarei o rosto jurdico e judicirio da sociedade civil, nas relações êçà
de confronto ou de cooperao com a sociedade poltica. õ
Limitar-me-ei, para j, e  guiza de sumrio, a enunciar algumas relevantes questes que não deixarei de ç
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vir a abordar.
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Assim, como exemplos de temas de afrontamento, em que o Direito e a Justia tm uma missão na tutela 
dos direitos fundamentais da pessoa, enquanto essncia da «sociedade humana», tal como é designada 
pelo Conclio do Vaticano II («Gaudium et Spes», § 4), podem indicar-se os seguintes: a luta contra os 
abusos do poder e a corrupo; a fiscalizao da legalidade administrativa e o controlo dos princípios da ç
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imparcialidade, da transparncia, da igualdade e da no discriminao; a garantia do respeito da vida 
privada e das liberdades pessoais em face do desenvolvimento da informtica e das tentaes do poder 
para a sua utilizao abusiva; a conteno dos excessos nas tentativas de interveno (manipuladora) do 
poder na comunicao social ou no mundo do desporto.
Em contraponto, e como exemplos de cooperao entre as instituies da sociedade civil e do Estado, 

sempre na perspectiva do universo do Direito e da Justia, poderei indicar: o reforo da luta contra a droga, 
mormente no que se refere  preveno primria e ao tratamento; a defesa e reeducao dos menores em 
perigo ou abandono; a reinsero social dos delinquentes; o combate  grande criminalidade, 
nomeadamente na luta contra o branqueamento do dinheiro resultante do trfico da droga; a defesa da










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