Page 12 - Revista do Ministério Público Nº 49
P. 12
ética e da dignidade perene do Homem perante os desafios colocados pelas novas tecnologias. Eis um
leque de questões que permitirão ilustrar as vicissitudes por que se desdobra e o modo como se
desenvolve a tensão entre os termos do binómio «Sociedade civil» e «Estado».
É
2. Estado de direito e poder judicial
É
2.1 Já se disse que, nos nossos dias, um espaço de realização pessoal e colectiva se tem imposto como íçãóê
garante da liberdade para todas as escolhas e como defesa contra as coacções: o espaço da sociedade íçá
ãúã
civil. ãçã
A particular importância do espaço institucional do Estado não justifica a pretensão, que tantas vezes ãé
vemos aflorar no «discurso» dos representantes da função política, de monopolização ou hegemonização éó
do poder e da ordenação social: hierarquizar e limitar os poderes, «despolitizar» a sociedade civil, é um é
çãáãçãã
princpio fundamental, pois todos (incluindo o Estado) são relativos e subordinados aos fins da pessoa. O é
Estado no mais do que uma instituição própria da sociedade política, integrada na sociedade humana (e êçé
civil nesse sentido), que não tem o monopólio do poder nem é sequer o primeiro poder, visto que tem de êã
respeitar os fins da pessoa e os fins essenciais das outras instituições; todo o estatismo é totalitário ( 1 ). çõ
áã
2.2 nesta confluncia de intervenções entre o que podemos designar o espaço institucional do Estado e àíãí
o domnio de auto-regulamentação dos interesses privados, que é próprio da sociedade civil, que a lei, o êíçó
direito e a justia tm um papel fundamental, como instrumentos de convergência ou de arbitragem (e çõã
resoluo) de afrontamentos e litígios.
éááãà
Quer na elaborao da lei, mediante a audiência das «forças vivas» da sociedade civil, quer na çé
ãí
interpretao do Direito e na aplicação da Justiça pelos tribunais, revela-se a necessidade permanente de à
combater (e prevenir) o «autoritarismo político» e de impedir o exercício da «invasão tentacular» do poder çã
burocrtico ou tecnocrtico da Administração.
çãçãã
O escopo que consiste na construão de uma «sociedade de liberdade» (para usar a terminologia de çã
HAYEK) ou de uma «sociedade aberta» (segundo POPPER) impõe a inexistência de qualquer forma de é
ã
coero. Ora, no existe coero, no quando se pode fazer o que se quer (a liberdade não é um poder), à
mas sim quando as restries liberdade, inevitáveis para que a sociedade constitua uma ordem, são éÉóí
impostas de acordo com uma regra geral. Isto porque uma regra igual para todos tem a virtude de íáé
transformar as limitaes e os constrangimentos que, de outro modo, representariam a imposição arbitrária
ã
da vontade de uns homens em relao a outros, em disciplina objectiva, anónima, pública e equitativa.
A liberdade est, por essncia, ligada ao Direito.
Para HAYEK, a sociedade de direito essencialmente uma sociedade de liberdade, longamente çá
identificada com a modernidade ocidental. ãá
2.3 O Direito anterior Lei e ao Estado. falso que a autoridade política se tenha constituído primeiro e í
óçãáá
que s depois haja institudo as leis que devam reger a vida em sociedade. ç
Mais correcto do que dizer que todo o direito decorre da autoridade, será afirmar que toda a autoridade ã
decorre do direito. De facto, o direito existe primeiro; s quando se torna necessário impor o respeito da
norma e sancionar o seu incumprimento, s ento se justifica que seja investida uma autoridade na missão ã
de fazer respeitar o direito, em nome da colectividade, usando, para isso, de coacção. ááí
certo que, ento, o poder poltico encarregado da sano da violação do direito participará na elaboração á
das regras cujo cumprimento lhe cabe impor, pelo que ser, assim, em parte, responsável pela sua
posterior evoluo.
Quando no existe Estado, ainda que de forma embrionria, no h sanção organizada da violência. ã
Mas o que caracteriza o fundamento do poder poltico numa sociedade aberta (numa sociedade de ç
ã
liberdade) o conceito de Estado de direito. çãâ
«A Repblica portuguesa um Estado de direito democrtico, baseado na soberania popular, no
pluralismo de expresso e organizao poltica democrticas e no respeito e na garantia de efectivação
dos direitos e liberdades fundamentais, que tem por objectivo a realizao da democracia económica,
social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa» (artigo 2o da Constituição da República
Portuguesa , no texto sado da reviso constitucional de 1989). Ou, como reza o No 2 do artigo 3o da nossa
lei fundamental, «o Estado subordina-se Constituio e funda-se na legalidade democrática».
Partindo destes pressupostos e balizado pelas fronteiras da lei e do direito, deve o Estado português,
respeitador da dignidade da pessoa humana e da vontade popular, empenhar-se «na construção de uma
sociedade livre, justa e solidria» (artigo 1o da CRP, na sua actual redaco).
2.4 Sabe-se, porm, quo verdadeira a mxima, j revelada por MONTESQUIEU, segundo a qual «todo
o homem que detm o poder levado a abusar dele».
A vivncia quotidiana a est, fornecendo exemplos frisantes dos excessos, dos abusos, da arrogância e
da demagogia que a ambio do poder poltico (ou o seu exerccio) proporciona.
Excessos e abusos que no podem encontrar justificao na circunstncia de serem praticados por
titulares de rgos democraticamente eleitos. O sufrgio universal no desresponsabiliza os agentes do
poder; no os torna imunes sano; no lhes faculta o direito de se situarem acima dos demais cidadãos,
de quem, tantas vezes, s se lembram em vsperas de actos eleitorais.