Page 14 - Revista do Ministério Público Nº 49
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incompatíveis com a democracia directa que perfilhava (utopicamente), fizeram curso as doutrinas
modernas do «governo minoritário».
Partindo da premissa do «obscurantismo das massas» e da consequente inviabilidade da democracia,
concluíram que o poder cabe a uma «minoria esclarecida». Foi esta a tese doutrinária, que fez voga no Éó
Século XVIII, do despotismo esclarecido (a ditadura da Razão exercida por um «bom tirano»).
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conhecido o papel dos enciclopedistas na transição do despotismo iluminado para a democracia, a partir ã
da difusão dos conhecimentos científicos e da generalização do acesso à cultura. Continuou, no entanto, a áç
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prevalecer a concepção segundo a qual o exercício do poder é privilégio de uma minoria. Minoria ã
(esclarecida e/ou combativa) que é titular do Poder nos regimes de partido único (comunistas ou fascistas). á
3.5 Em oposição aberta à tese do governo da minoria, própria das «democracias populares», autoritárias e
totalitrias, surgiram as concepções inspiradoras do sistema democrático representativo, assentes na ç
matriz fundamental do individualismo (democracias liberais) ou do personalismo (democracias cristãs e çáãç
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democracias sociais).
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O poder deixa de ser considerado como um direito para ser encarado como uma função do Estado ao
servio da colectividade nacional - dos cidadãos e das instituições primárias, ou seja, na terminologia que é
temos vindo a adoptar, da sociedade civil. ç
A legitimidade dos governantes resultará, assim, de uma dupla via:
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- por um lado, quanto ao título, emana da respectiva designação de acordo com a legalidade em vigor no
ordenamento jurdico-constitucional competente; í
- em segundo lugar, no que se refere ao exercício, derivará de o Poder ser exercido ao serviço da ã
sociedade civil, «maxime», dos valores fundamentais da pessoa humana.
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3.6 Ou seja, o poder poltico s legítimo enquanto prosseguir os fins próprios que presidiram à sua
instituio, respeitar os direitos fundamentais da pessoa, e os fins essenciais das sociedades primárias, ç
nomeadamente da famlia. ã
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Levanta-se, assim, com particular acuidade, a problemática da limitação jurídica do poder político.
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So vrios os processos utilizados com vista a atingir, tal objectivo: desde as declarações de direitos de
fonte supranacional (v. g. a Declarao Universal dos Direitos do Homem ou a Convenção Europeia de
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais), até aos princípios rectores do óá
Estado de Direito, passando pelo direito de resistência (individual e colectiva), bem como pelas especificas êíáí
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garantias de pluralismo poltico e de transparncia da gestão pública que são próprias das formas de é
governo democrticas, h um amplo leque de mecanismos e procedimentos que visam assegurar o
respeito pelos limites que devem balizar o exerccio do poder político.
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S que, infelizmente, nem sempre se revelam eficazes. Quantas vezes por falta de instrumentos passíveis ç
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de imporem o seu respeito por via coactiva, j que se trata de «belas» proclamações teóricas que os á
detentores concretos do Poder so tentados, a cada passo, a desvalorizar ou esquecer. çá
Sabe-se como a tentao de uma eficcia a todo o custo (para apresentar serviço ou exibir resultados) ã
leva os detentores do poder a ultrapassar barreiras e a atropelar direitos dos cidadãos. Noutros casos, é
ainda mais graves, a presso de «lobbies» de interesses ou a irresistível sedução de lucros ilícitos que
esto na origem de prticas ilegais, quantas vezes qualificveis como actos de corrupção.
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Noutras situaes, enfim, alguns titulares de rgos de soberania, escudados sob a protecção de normas
que os «imunizam», declarando-os irresponsveis do ponto de vista civil, criminal e disciplinar (cfr., v. g.,
quanto aos deputados, o artigo 160o, No 1, da Constituio), fazem imputações que agridem direitos
fundamentais de cidados que, por fora das referidas normas, ficam impossibilitados de proceder ç
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judicialmente contra as pessoas concretamente responsveis pelas violaes causadas.
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Fica, assim, como meio efectivo de tutela dos direitos fundamentais dos cidadãos, agredidos por ççõ
detentores do Poder poltico, a possibilidade de accionarem o Estado por responsabilidade civil extra-
contratual.
Cabe, pois, aos tribunais, no nobre exerccio da funo de administrar Justia, o papel de última barreira
na salvaguarda dos limites opostos ao exerccio do Poder, funcionando como a garantia possível dos
direitos fundamentais da pessoa contra abusos, excessos e prticas ilcitas por parte dos ocasionais
detentores desse Poder.
4. Informtica, liberdades e vida privada
4.1 Uma das reas em que, por forma mais evidente e grave, se podem revelar os afrontamentos que,
tantas vezes, opem o poder poltico e a sociedade civil a que se refere ao respeito da vida privada e das
liberdades pessoais em face do desenvolvimento da informtica e das tentaes desse mesmo poder para
a sua utilizao abusiva. Mas, em contrapartida, esse um domnio em que se entreterem entre os dois
plos em apreo relaes de frutuosa e eficaz cooperao.
Mais genericamente pode dizer-se que o que est em causa a defesa da tica e da dignidade da pessoa
humana perante os desafios colocados pelas novas tecnologias.