Page 17 - Revista do Ministério Público Nº 49
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das respostas necessárias, «tacteando-as na penumbra de um fenómeno de contornos ainda algo
desconhecidos, hesitando-se, de início, entre falar ou não falar, dizer de mais ou de menos, refugiando-se,
depois, em falsos pretextos para não fazer».
No entanto, a crueza da realidade aí está, avançando em todo o mundo: os que tornam droga são mais ÉóÉ
numerosos, e cada vez mais jovens. Além disso, tem aumentado o tráfico de droga e a criminalidade ç
organizada afim, bem como a percentagem de consumidores de droga que praticam crimes.
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Tive a oportunidade e o privilégio de, na qualidade de Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça êéç
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do X Governo Constitucional, apresentar um plano de acção contendo um conjunto de medidas ( 4 ) que á
estiveram na origem da elaboração do Projecto VIDA, aprovado pelo Governo pela Resolução No 23/1987, çá
de 21 de Abril.
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Dada a intervenção directa que tive na preparação do texto das «30 medidas para o combate à droga», por ãç
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que se desdobrava o Projecto VIDA (na sua formulação originária), e atenta a ligação estreita que, antes e ãõç
depois dessa data, em diferentes momentos da minha vida profissional, fui mantendo com esta angustiante õ
problemtica, relevar-se-me-á que recorde um ou outro episódio pessoal, socorrendo-me, inclusivamente,
de textos que, ao tempo, escrevi. Poucos saberão, por exemplo, que a designação dada ao Projecto, na çõà
sequncia de proposta por mim apresentada (Projecto VIDA), tinha, à data em que o mesmo foi crismado, ã
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uma dupla leitura:
- a que inevitavelmente decorria da palavra que lhe deu o nome (VIDA); ááç
- a de representar a sigla correspondente ao lema «Vida Inteligente, Droga Ausente (V. I. D. A.).
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5.3 A luta contra o abuso de drogas é, antes de tudo, e principalmente, um combate contra a degradação e ê
a lenta destruio dos seres humanos. çí
O fenmeno da toxicodependncia não existia em Portugal, com carácter epidémico, até à década de á
setenta.
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Convm, todavia, recordar que subsiste entre nós, com carácter endémico, e desde há séculos, uma das ãç
suas mais nefastas modalidades: o alcoolismo. áã
Razo tinha quem, h muitos anos atrs, escreveu: «Baco afogou mais homens do que Neptuno», -
sentena claramente aplicvel a este pais de marinheiros, onde o uso imoderado de álcool provoca, em
cada ano, milhares de acidentes, de crimes e de vitimas mortais.
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Como se no bastasse o quase meio milho de alcoólicos comprovados e o ónus da sua penosa á
regenerao, vemo-nos hoje a braos com todos quantos, aos milhares, se entregam ao consumo indevido çç
de estupefacientes e psicotrpicos, para vencer o tédio, exorcizar angústias, varrer constrangimentos, õõéá
abafar mgoas ou mudos desesperos.
Com a autoridade que se lhes reconhece, as Naes Unidas sustentam: que «a enorme difusão do uso
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indevido de estupefacientes se converteu em uma tragdia para a humanidade», que «o uso indevido de çúç
estupefacientes e o seu trfico ilcito so problemas que já não se limitam a reduzidos segmentos de ãã
determinada populao», que «estes problemas tentam, enredam e em última instância destroem pessoas
de todos os sectores da sociedade», e que «a propagao da corrupção, da violência e do terrorismo,
directamente relacionados com o trfico de estupefacientes, atingem a própria segurança e estabilidade
poltica das naes».
De todas as naes - sublinharia eu - j que, galgando fronteiras, a droga tem alcançado as sete partidas
do mundo, indiferente s distines de credo, raa ou ideologia.
5.4 Reflectindo, em 6 de Maro de 1987, sobre as frentes de combate ao flagelo e acerca dos meios de
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aco a mobilizar para o efeito, escrevi, a dado passo, o seguinte:
«Contamos ainda com o apoio de todas as instituies pblicas e privadas que, mostrando-se disponíveis,
revelem capacidade para empreender, de forma sria, consequente e tecnicamente idónea, acções de áá
tratamento e recuperao de toxicodependentes. ú
de tal ordem a transcendncia social do problema da droga que de forma nenhuma podem enfrentá-la,
s por si, os organismos oficiais.
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chegada a altura de a sociedade portuguesa se libertar de um dogma inaceitvel: o de que o Estado tudo
pode, tudo deve fazer e tudo deve suportar, tornando-se, em caso contrrio, imagem do clássico
mordomo das novelas policiais, o imediato, inevitvel e principal suspeito, no que respeita a eventuais
faltas, erros e omisses» ( 5 ).
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5.5 O projecto VIDA, no conjunto das suas trinta medidas, que integravam a sua versão originária,
contemplava os domnios da informao e sensibilizao do cidado, do tratamento, reabilitação e
insero social do toxicmano e do combate ao trfico.
Na enumerao que fiz dos requisitos fundamentais a que devia obedecer o plano integrado de combate à
droga indiquei, logo cabea, o seguinte:
«Assentar num amplo conselho nacional, de forma a mobilizar o maior nmero possvel de meios,
estruturas, entusiasmo e competncia, em todos os sectores da sociedade».