Page 19 - Revista do Ministério Público Nº 49
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Subjugando-nos, ao longo de milénios, aos seus rigores e caprichos, a mãe-natureza (mais madrasta que 
mãe, em múltiplas circunstâncias ...) está agora, crescentemente, à mercê da nossa vontade, da nossa 
ambição. E do nosso desregramento, também. 

Assim o entendia GIOVANNI PAPINI, ao escrever que: «A cidade é uma represália à natureza selvagem éúÉ
que durante séculos flagelou e empobreceu os homens. Sobre a recordação da lama, estendeu a pedra e 
o asfalto; contra os envolvimentos espinhosos das selvas, construiu as estradas seguras e rectilíneas; çá
aprisionou os rios e atravessou-os com pontes; contra a chuva, ergueu arcadas e galerias e respondeu ao ó
antigo terror da noite com todas as suas luzes.
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Mas essa desforra sobre a selvajaria preocupante do primeiro mundo custou, como todas as vitórias, uma çççççã
derrota. As grandes cidades parecem maquinações bem conseguidas para corromper os elementos mais ãõéããàçãá
necessrios à vida. O ar puro dos campos tornou-se uma mistura pesada de hálitos, fumo e pó; o perfume óã
da vegetao converteu-se em fedores de esgotos, latrinas e gasolina; a felicidade do silêncio é dilacerada áãç
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dia e noite por ruídos intermináveis; e o sol penetra raramente, e mal, nos aposentos dos antros õ
pestilenciais dos velhos subúrbios.
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Os bens essenciais, que a Natureza oferece a todos com eterna liberdade, sem custarem dinheiro, são os ó
mais preciosos para a saúde e a paz, e surgem inquinados, empobrecidos ou mesmo destruídos (...)» ( 8 ). óç
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6.3 Firmada h quase 50 anos, não perdeu actualidade esta sombria análise do escritor transalpino, pois ãúç
os problemas agudizaram-se, entretanto, de forma clara multiplicaram-se as agressões ao ambiente, çóçãó
acentuou-se a dissipao dos recursos e cresceu, desmesuradamente, a produção de desperdícios, em óãçãí
ritmo superior ao que permitiria a sua normal dispersão, decomposição ou reciclagem.
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Agonizam os rios, conspurcados pelos mais diversos efluentes industriais, envenenados por altas áà
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concentraes de mercrio, cdmio, chumbo e cromo, sufocados sob a neve eterna dos detergentes não óí
degradveis. êã
Ardem as florestas e destri-se o solo agrícola, enquanto avançam, imparáveis, os desertos.
O petrleo  derramado nos oceanos e os poços de petróleo ardem nos seus jazigos. âé
O ar torna-se saturado pelas substncias resultantes da combustão fóssil das fábricas, das centrais 
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trmicas e dos automveis. ããç
A descarga, na atmosfera, de compostos sulfurosos provoca a formação de «chuvas ácidas», com ãá
devastadoras consequncias. êú
O aumento da contaminao altera, de tal forma, a composição da atmosfera, que a temperatura deverá 

subir, gradualmente, podendo provocar o degelo das calotas polares, a subsequente subida do nível dos 
oceanos e sensveis alteraes do clima. 
6.4 A dimenso, gravidade e premncia deste tipo de problemas vêm naturalmente provocando, na opinião 
pblica e nos poderes constitudos, uma cada vez mais generalizada tomada de consciência, permitindo à
conferir s questes ecolgicas o relevo que merecem. íç
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Como sintoma claro dessa crescente evidncia, bastará atentar na circunstância de a grande maioria, ç
qui, a quase totalidade, dos partidos concorrentes s eleições legislativas de 6 de Outubro, terem inscrito ã
nos seus programas propostas especificas no domnio da preservação do ambiente, entre elas se à
destacando:
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- despoluio dos rios e plano internacional para proteco dos oceanos; ãí
- rede de controlo da poluio atmosfrica e rede de vigilncia do estado do ambiente; 
- adopo do princpio do poluidor-pagador; 
- erradicao de paiis e gasmetros situados no interior das cidades; á
- combate s construes clandestinas; í
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- constituio de fundos para recursos florestais e de fundos regionais de renovação industrial para ú
investigao de processos tecnolgicos no poluentes e reconverso de indstrias; ê
- sistema financeiro de apoio  recuperao de zonas altamente degradadas; 
- e, acima de tudo, adopo de medidas eficazes de combate  calamidade dos incêndios florestais.

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6.5 A publicao da Lei de Bases do Ambiente (Lei No 11/1987, de 7 de Abril) assinalou o despertar do 

legislador portugus em domnio to carenciado de dispositivos jurdicos de proteco. 
Sem o carcter integrado, completo e coerente que assumem os preceitos da «Lei de Bases», já antes se 
podiam, todavia, entre ns encontrar, claramente expressas, algumas normas de natureza ambiental, 
dispersas, sobretudo, pelo direito administrativo e pelo direito civil.
O prprio Cdigo Penal , deixando embora para lei especial a especfica previno dos delitos contra o 

ambiente, no se dispensa de contemplar e punir as condutas de quem corrompe, contamina e polui, por 
meio de venenos ou de outras substncias prejudiciais  sade, gua que possa ser utilizada para 
consumo humano, e de quem, pela libertao de gases txicos ou asfixiantes, expuser outrem a um perigo 
para a sua vida ou de grave leso da sua sade ou integridade fsica.
 este, de resto, um dos domnios onde mais se fazem sentir as tendncias de neo-criminalização, 

sustentadas por quantos entendem necessria a interveno do direito penal para firme tutela do ambiente 
e salvaguarda de bens jurdicos fundamentais que certos modelos c prticas de desenvolvimento fazem 
perigar a cada instante.










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