Page 74 - Revista do Ministério Público Nº 49
P. 74
Revista:
No 49 - 1o trimestre de 1992
Autor:
Carlos João Lobato Ferreira
(Delegado do Procurador da República)
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Capítulo:
áIntervenções Processuais
Título:
Amnistia das infracções disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas
Pgina:
157
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Amnistia das infracções disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas (*)
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A questo colocada prende-se com a aplicação do artigo 1o, alínea ii), da Lei No 23/1991, de 4 de Julho, ao çõ
caso presente. Trata-se do despedimento de um trabalhador do Banco Português do Atlântico, ocorrido em õ
30 de Abril de 1991 e impugnado judicialmente nos presentes autos emergentes de contrato individual de éçíà
trabalho.
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O A. vem defender que, sendo a ré uma empresa pública à data em que teriam ocorrido as infracções úíçõ
disciplinares que lhe são imputadas (e ainda hoje uma empresa de capitais públicos) e tendo a decisão do çãõéó
despedimento sido tempestivamente impugnada, estão reunidos os requisitos para lhe ser aplicada a lei da
amnistia e, como tal, declarar-se revogada a decisão de despedimento, com as consequências dai
advenientes.
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Por sua vez, a r vem alegar que a lei de amnistia não lhe é aplicável por não ser, à data da entrada em ãç
vigor da Lei No 23/1991, uma empresa pública nem sequer uma empresa de capitais públicos e, por outro çâãúú
lado, por tal preceito legal estar ferido de inconstitucionalidade material por violação do artigo 62o, No 1 e ãã
artigo 87o, No 2 da Constituio da República (por retirar, sem qualquer compensação, uma prerrogativa ú
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patrimonial privada e traduzir-se numa intervenção na gestão de empresas privadas) e, bem assim, do ãà
artigo 13o da Constituio da Repblica Portuguesa (princípio da igualdade entre trabalhadores).
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O princpio da igualdade vertido no artigo 13o da CRP tem, na lição de Gomes Canotilho e Vital Moreira é
(Constituio da Repblica Anotada, 2a ed., I vol., pág. 149), três dimensões:
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a) a proibio do arbtrio, sendo inadmissveis quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação çç
razovel, de acordo com critrios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de õéã
tratamento para situaes manifestamente desiguais;
b) a proibio de descriminao, no sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre ãã
cidados baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias;
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c) a obrigao de diferenciao como forma de compensar a desigualdade de oportunidades.
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No parecer junto aos autos, subscrito por Menezes Cordeiro, diz-se, a fls. 397, que ao «amnistiar»
infraces de trabalhadores de empresas pblicas ou de capitais públicos, o Estado vai tratar de modo
diferente situaes materialmente iguais. E continua o ilustre autor que «dois trabalhadores pertencentes a í
duas instituies de crdito que cometam precisamente a mesma infracção e no mesmo dia, poderão ter íà
destinos diferentes: um, porque integrado num banco pblico, nada sofre; o outro, terá de responder em
processo disciplinar, podendo ser despedido. E isso quando a todos os trabalhadores se aplicam as
mesmas leis do trabalho e as mesmas convenes colectivas».
Tal posio , a nosso ver (salvo o devido respeito) totalmente insustentável. ú
Desde que o Estado actue no mbito restrito do seu «jus puniendi» ou seja, desde que se limite a abdicar ç
do poder disciplinar relativamente a todos os trabalhadores das empresas que estão sob a sua tutela, não õ
se v como se encontra violado o princpio da igualdade. Obviamente que não existe aqui qualquer çó
tratamento discriminatrio. O poder disciplinar exercido pelo seu titular, de acordo com os critérios que ã
este tiver por convenientes. Em nada se distingue, neste campo, a actuao do Estado da actuação de í
qualquer outra entidade patronal, uma vez que estamos em sede de relaes jurdicas de direito privado. á
Quanto situao referida - dois trabalhadores pertencentes a duas instituições de crédito que ãú
cometessem a mesma infraco, no mesmo dia, terem destinos diferentes -, no se vislumbra em que
medida o princpio da igualdade se encontra violado. O banco privado pode, se assim o entender,
«perdoar» as infraces disciplinares dos seus trabalhadores, tal como o banco pblico o pode fazer. Não
existe qualquer tratamento discriminatrio, s pelo facto de a ambos se aplicar a mesma lei do trabalho ou
a mesma contratao colectiva. Haveria violao de tal princpio se a mesma entidade patronal - banco ó
pblico ou privado - face mesma infraco, cometida no mesmo dia e nas mesmas circunstâncias,
optasse, num caso, pelo despedimento e, no outro, por nada fazer.
O artigo 62o, No 1 consagra o direito propriedade privada e o artigo 87o, No 2 da CRP estabelece que o
Estado s pode intervir na gesto de empresas privadas a ttulo transitrio, nos casos expressamente
previstos na lei e, em regra, mediante prvia deciso judicial.
Ora, salvo o devido respeito, a lei da amnistia no vem interferir nas empresas privadas, uma vez que
apenas se aplica a empresas pblicas e de capitais pblicos.
No que respeita s empresas pblicas, estando estas sujeitas tutela directa do Estado (cfr. artigo 13o do
Decreto-Lei No 260/1976, de 8 de Abril), o «jus puniendi» pertence, em ltima anlise, ao prprio Estado.
Quanto s empresas de capitais pblicos, entendendo estas como empresas de capital exclusivamente