Page 34 - Revista do Ministério Público Nº 79
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14o, No 1 do Código Penal - acrescendo, ainda, que a violação dos deveres do agente seja grave, i.e.,
significativa, importante.
Entendimento contrário foi expendido, nas sessões da Parte Lectiva deste Mestrado pelo Professor Taipa
de Carvalho, para quem, se bem o entendemos, basta que o agente aja com dolo necessário, ãíí
conscientemente, i.e., aja com a consciência de que vai provocar o prejuízo, assim adiantando o exemplo ê
do agente que perdoa ou que não cobra uma determinada dívida, com a intenção de não provocar a é
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falncia do devedor do seu administrado, embora saiba que, assim, vai causar necessariamente a este um ãç
prejuzo de valor correspondente ao da dívida em questão.
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Analisando o tipo do artigo 224o, e pese embora o uso da expressão intencionalmente pareça apontar no í
sentido de que, na realidade, a conduta do agente tem de ser animada de dolo directo ( 43 ), afigura-se-nos
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que existiro situações em que a conduta do agente, pese embora vise primacialmente um outro objectivo, êí
no pode deixar de ter em consideração o resultado típico que, necessariamente, irá provocar. Cite-se aqui
Claus Roxin quando afirma que "cada vez mais se impõe a opinião de que a intenção (ou propósito) não é
deve significar o motivo, a finalidade última do sujeito, mas que a intenção típica ocorre ainda quando o
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resultado perseguido serve para a consecução de outros fins de diversa índole do sujeito". (...) "Portanto,
intencional , em todos os casos, também aquilo que se realiza de propósito, como meio para ulteriores ãáá
fins. To pouco necessário que a intenção típica seja a única finalidade que o sujeito persiga" ( 44 ) ( 45 ). ç
Na realidade, em casos como o exemplo acima indicado, pese embora oriente a sua vontade ê
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primacialmente para no prejudicar ou para beneficiar outrem, o agente não pode deixar de representar ó
que a sua conduta causa necessária e inelutavelmente um prejuízo aos interesses de que deve dispor ou íç
do seu representado ou administrado, assim assumindo, reflexa ou indirectamente, a "vontade" de causar é
um prejuzo correspondente a tais interesses, pelos quais deve, em primeira linha, zelar ( 46 ); desta forma, ã
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o tipo do artigo 224o do Cdigo Penal poderá, em nosso entendimento, ser preenchido não apenas e tão
somente a ttulo de dolo directo, mas também a título de dolo necessário, havendo situações em que o ó
ilcito em referncia ser integrado em todos os seus elementos, ainda que o fim da conduta do agente não í
seja apenas e directamente o causar um prejuízo (que terá sempre de ser importante) aos interesses que ç
lhe incumbe dispor, administrar ou fiscalizar. Já assim não acontecerá nos casos em que o agente aja ãçú
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negligentemente ou com dolo eventual, situações em que não se verificará preenchido este ilícito criminal ã
( 47 ).
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Ainda no mbito da vigncia do Cdigo Penal de 1982, antes da revisão operada pelo Decreto-Lei á
48/1995, de 15 de Maro, importa reter o Acrdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Junho de
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1991 ( 48 ), no qual se afirma que:
"O crime do artigo 319o do Cdigo Penal exige os requisitos do dolo específico e da verificação de prejuízo çéíê
patrimonial importante, para alm da violao da relaão de confiança, nascida de vínculo jurídico bem é
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definido, demonstrada, por exemplo, no facto de o agente ser sócio gerente da sociedade ofendida, com êã
poder de movimentar a sua conta bancria", acrescentado-se que "neste tipo de crime o legislador
especificou, como elemento tpico, o dolo que, assim, elemento integrante, mencionando um fim especial ç
ou determinado do agente, que o de causar prejuzo patrimonial importante". Desta forma, "para que
algum possa ser condenado pelo crime de infidelidade mister que se prove que:
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a) tenha agido intencionalmente, ou seja, com a conscincia e a vontade de causar prejuízo patrimonial;
b) tenha representado o tipo legal de crime com conscincia da ilicitude do procedimento (elemento
intelectual), e ainda que tenha querido o efeito verificado, ou haja procedido com consciência que o mesmo ã
ia resultar da sua actividade (elemento volitivo)". ã
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Assim, conclui o Supremo, "a condenao pelo crime de infidelidade no prescinde da prova de que os ã
factos tenham sido cometidos com violao consciente dos deveres de fidelidade que se impunham ao ó
agente, e para causar prejuzo importante".
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III. 2 - O prejuzo
Quanto ao elemento prejuzo, o mesmo tem de ser importante, ou seja, no basta a produção de qualquer
prejuzo, sendo necessrio que o mesmo tenha relevo significativo.
Tendo o legislador optado por no adoptar, para caracterizar o que se entende por "prejuízo patrimonial ç
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importante", os critrios avanados no artigo 202o, parece-nos que tal opo aponta inelutavelmente no
sentido de que apenas caso a caso se poder preencher tal conceito, assim se avaliando se no caso
concreto a conduta do agente conduziu, ou no, produo do resultado necessrio para preencher este
ilcito em todos os seus elementos tpicos, pois que estamos perante um crime de dano, "em que a
proteco penal se refere integridade dos interesses face a prejuzos que lhe possam ser infligidos pela
conduta do sujeito activo" ( 49 ).
III. 3 - Regime penal. Infidelidade versus abuso de confiana. O crime de Administrao Danosa
Sendo, por via de regra, um crime semi-pblico - cfr. No 3 do artigo 224o do Cdigo Penal - o procedimento