Page 25 - REvista do Ministério Público Nº 81
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Revista:
No 81 - 1o trimestre de 2000
Autor:
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
(Juíza de Direito )
Capítulo:
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Título:
A propósito do crime de violação: ainda faz sentido a sua autonomização?
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Pgina:
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A propsito do crime de violação: ainda faz sentido a sua autonomização?
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1 - A evoluo da sociedade e os seus reflexos no direito penal sexual: da defesa dos «bons costumes» e ó

da «honestidade» - paradigmas de uma tradicional concepção masculina de sexualidade - à protecção da íêç
«liberdade e autodeterminação da expressão sexual», como valor estritamente individual, único digno de ããá
tutela penal.
2 - O crime de violação encarado como um crime de coacção sexual qualificado pelo resultado típico. ç
Anlise do tipo objectivo a nível dos sujeitos, dos meios de execução e do resultado da acção e breve ãóê
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referncia ao tipo subjectivo. çõí
3 - A complexidade do crime de violação após a reforma operada pela Lei No 65/1998, de 2-9: a óõç
necessidade de abandonar o critério da especificação casuística de cada acto que constitui o núcleo da éã
conduta tpica e a necessidade de acabar com a autonomização emblemática deste tipo legal.
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4 - O consentimento e a exclusão da tipicidade. ó
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5 - Generalidades sobre a moldura abstracta e sobre necessidade de alargar o leque das circunstâncias ãã
qualificativas. àçà
6 - A falta de notcia ou o tabu do crime de violação no âmbito do casamento. Breve referência ao crime de ã
violao por omisso. Concluses.
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I - Evoluo do direito penal sexual: reflexos a nível do bem jurídico protegido.
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Vrios psiclogos - entre outros Miguel ngel Soria e José Antonio Hernández ( 1 ) - defendem que a éã
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origem da criminalizao da violao assenta na defesa da "propriedade“ sobre a mulher, o que igualmente ãó
explica a resistncia histrica que sempre existiu até ao momento em que se passou a aceitar a 
possibilidade de cometimento do crime de violao no âmbito do casamento (entre cônjuges). 
Historicamente, o conceito de "ofensa sexual“ sempre esteve relacionado com os direitos da mulher e com í
a sua posio social.
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O amor corts estava reservado s mulheres da nobreza, sendo distinto o tratamento em relação às 
restantes mulheres ( 2 ). ç
Compulsando as Ordenaes Afonsinas ( 3 ), Manuelinas e Filipinas ( 4 ) verificamos que a punição do ã

crime de violao se justificava pela necessidade de assegurar e defender a moral pública, í
designadamente sexual, da poca.
Com a entrada em vigor do Cdigo Penal de 1852 (Cdigo Penal) e, depois do Código Penal de 1886, o ç
Prof. Beleza dos Santos ( 5 ) sustentou que, com o crime de violaão, se visou proteger a liberdade sexual 

da mulher (mesmo que esta no fosse menor, nem honesta), o seu legítimo direito de não suportar o acto í
sexual, fora do matrimnio ( 6 ), contra ou sem a sua vontade.
E acrescentava ( 7 ): “mais do que acautelar o perigo de gravidez ( 8 ), quis-se proteger a honra da mulher.“ àíó
Todavia, pensamos que se pode mesmo defender que, mais do que a honra da mulher, se protegia a honra ç
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do homem ( 9 ). 
Na verdade, toda a legislao, designadamente a nvel penal, atribua  mulher um papel secundário e é
subalterno, deixando-a, na maior parte das vezes, desamparada e sem qualquer protecção jurídica.
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No essencial, as alteraes legislativas que ocorreram desde as Ordenaes Afonsinas até 31/12/1982 

( 10 ) reflectem uma idntica concepo de sexualidade, assente em princpios tico-sociais, própria de uma 
estrutura social baseada na diviso de papis masculinos e femininos, onde o poder, o privilégio e o 
prestgio era apenas concedido aos homens.
Ao longo do referido perodo de tempo, a escassa proteco penal da mulher foi feita tendo em atenção 

primordialmente os interesses masculinos na medida em que estes, indirectamente, podiam ser lesados 
pela conduta daquela. 
A insero sistemtica do crime de violao nas sucessivas leis penais portuguesas codificadas mostra que ç
o direito penal era concebido para funcionar como um instrumento ao servio de determinadas ideologias 
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morais ( ).
Portanto, at 31/12/1982, eram, inequivocamente, razes de ordem moral ( 12 ) - que assentavam na é
confuso histrica, desenvolvida pelo Direito Cannico ( 13 ), entre crime e pecado - que fundamentavam a 

punio, designadamente, do crime de violao, entendido este "como cpula no conjugal forada numa 
mulher“ ( 14 ).
Eram os "bons costumes“, aliados  "honestidade“, o bem jurdico protegido ( 15 ), por isso tambm se










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