Page 26 - REvista do Ministério Público Nº 81
P. 26










compreendendo que o adultério fosse punido criminalmente, de forma mais severa e drástica, se cometido 
pela mulher. 

Com o desenvolvimento e evolução das sociedades, assistiu-se a uma viragem e mudança de concepções 
que, a nível da história do pensamento da liberdade, se traduziu no reconhecimento do homem, não como íó
indivíduo isolado, antes como ser social, homem socializado, concreto e situado, no sentido de que "vive éó
em um mundo e de que é, por isso, a unidade daquilo que ele concretamente objectiva de si no mundo e 
16 êç
que o mundo concreto subjectiva nele“ ( ).
éççã
Tambm se passou a conceber o direito penal como um instrumento de controlo social, ao qual só se deve çããã
recorrer nos casos em que, por causa da importância dos bens jurídicos em jogo ou pela forma especial ã
como tais bens são atacados, é necessária a aplicação da mais enérgica das intervenções de que o ããí
Estado se pode fazer valer.
ãã
âç
A esta ideia está associada a proclamação dos princípios da lesividade ou ofensa e da intervenção mínima óã
- que, por sua vez, abarcam os princípios da subsidiariedade e fragmentariedade - como princípios çç
fundamentais da concepção do direito penal num Estado de Direito social e democrático (17). êãã
"A ordem de valores jurídico-constitucional constitui o quadro de referência e, simultaneamente, o critério 
18 àóó
regulativo do mbito de uma aceitável e necessária actividade punitiva do Estado“ ( ).
çã
A "necessidade social“ ( 19 ) torna-se em critério decisivo da intervenção do direito penal: este, "para além ã
de dever limitar-se  tutela de bens jurídicos ( 20 ), só deve intervir como ultima ratio da política éç
çéã
social“ ( 21 ). ã
Resulta da sistematizao da parte especial do Código Penal na versão de 1982 ( 22 ) que se parte de uma 
concepo personalista e humanista, onde "o homem e os seus direitos fundamentais são o ponto de éãçãçã
23 
partida de todo o direito“ ( ).
é
O tratamento dos crimes sexuais no Código Penal de 1982, como diz Costa Andrade ( 24 ), "reflecte á
largamente o postulado moderno da ilegitimidade de criminalização de quaisquer condutas por razões é
exclusivamente de ordem moral (25), tendo-se procedido à descriminalização generalizada dos crimes sem â

vtima e no sendo punidas quaisquer práticas sexuais que não colidam com a liberdade e autenticidade áéç
de expresso sexual, isto , as que ocorram em privado entre adultos“, livremente consentidas.
ã
Cremos, por isso, poder, tambm, afirmar que, no domínio do Código Penal, na versão de 1982, já se íç
aceitava que a "liberdade e a autenticidade da expressão sexual - enquanto manifestação da livre áã
realizao e desenvolvimento da personalidade de cada homem - eram os únicos bens jurídicos que o 
ó
direito penal estava legitimado a tutelar nesta rea“ ( 26 ).
Todavia, o legislador de 1982 no conseguiu construir o capítulo relativo aos crimes sexuais sem recorrer a á
uma determinada moral social sexual ( 27 ). ãú
ç
Com a reviso do Cdigo Penal, aprovada pelo Decreto-Lei No 48/1995, de 15 de Março, procurou-se ã
expurgar as referncias moralistas, ainda subjacentes a vários preceitos no capítulo dos crimes sexuais 
( 28 ).
29 
Alm disso, alterou-se a insero sistemtica dos crimes sexuais ( ), os quais hoje - mesmo após a ã
reforma aprovada pela Lei No 65/1998, de 2 de Setembro - esto preordenados à tutela do bem jurídico da ã
"liberdade e autodeterminao sexual“, agora tratado como um valor individual e eminentemente pessoal 
( 30 ) e no supra-individual, da comunidade ou do Estado, como sucedia na versão originária do Código 
çç
Penal de 1982.
ã
E, porque "a funo do direito penal  protectiva e defensiva - no deve ter intentos pedagógicos“ ( 31 ) - a é
tendncia do Cdigo vai agora, na rea do direito penal sexual, no sentido da neutralização, isto é, sem íçõ
imposio de regras de conduta sexual, procurando no privilegiar qualquer orientação sexual ( 32 ). 

O tipo legal do crime de violao aparece no Cdigo Penal, quer na versão revista pelo Decreto-Lei No 
48/1995, quer na verso da Lei No 65/1998, como uma especializao do crime de coacção sexual ( 33 ), 
existindo um concurso aparente entre as duas normas.
O bem jurdico protegido  o mesmo, ou seja, a liberdade de a pessoa escolher o seu companheiro ou 

parceiro sexual e de dispor livremente do seu corpo. 
A especializao consiste na circunstncia de o ncleo da conduta tpica do crime de violação ser a 
cpula, o coito anal ou o coito oral, isto , actos sexuais cujo relevo  determinado e representa a mais 
importante limitao da liberdade sexual da vtima.
í

II - Tipo objectivo.

1. Sujeitos ( 34 )


O legislador de 1982, continuando a tradio que j vinha das Ordenaes Afonsinas, restringiu o sujeito 
passivo do crime de violao ao gnero feminino, situao esta que se manteve inexplicavelmente, mesmo 
aps a reviso aprovada pelo Decreto-Lei No 48/1995, de 15 de Maro, quanto ao crime a p. e p. no artigo 
164,No1(35 ).

Com a reforma do Cdigo Penal operada pela Lei No 65/1998, de 2 de Setembro, abandonou-se essa 
restrio: hoje, qualquer pessoa (sem distino de sexo) pode ser sujeito activo ou passivo do crime de










   24   25   26   27   28