Page 27 - REvista do Ministério Público Nº 81
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violação ( 36 ).
Tanto é autor imediato do crime de violação da previsão do artigo 164, No 1, o próprio agente que pratica a
cópula, o coito anal ou o coito oral, através do constrangimento da vítima, pelos meios tipificados na lei
(violência, ameaça grave ou colocação da vítima em estado de inconsciência ou em situação de áóóãí
impossibilidade de resistir), como aquele que constrange a vítima, pelos referidos meios de execução, a
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praticar tais actos (cópula, coito anal ou coito oral) com terceiro. óçê
J no crime de violação previsto no artigo 164, No 2, o legislador restringiu a punição ao agente que detém çéãá
a relaão de autoridade (autoridade essa que cria no sujeito passivo uma dependência hierárquica, ç
econmica ou de trabalho) sobre o sujeito passivo e que se aproveita desse seu ascendente, para o óãíãéçç
constranger pelos meios aí tipificados (ordem ou ameaça não compreendida no No 1 do artigo 164), a ãããàã
é
praticar cpula, coito anal ou coito oral consigo ou com terceiro. íé
O que significa que, no caso do artigo 164, No 2, estamos perante um crime específico próprio, na medida
em que o legislador quis restringir a punição a um determinado agente ou sujeito activo (só se incluem no ç
tipo, como autores, as pessoas que têm aquela relação especial de autoridade sobre a vítima) ( 37 ). ãí
çêó
Tambm no se pode esquecer que o núcleo da conduta típica do crime de violação (cópula, coito anal ou ãéãà
coito oral) exige sempre a penetração do órgão sexual masculino numa das cavidades (vagina, ânus ou áã
boca) indicadas. çã
Como diz Enrique Orts Berenguer ( 38 ) "para a consumação do crime de violação é necessária a aptidão ã
para penetrar, ser penetrado ou fazer-se penetrar“. êí
Da resulta que os contactos sexuais forçados entre mulheres (mesmo que sejam afectados ou tocados os é
rgos sexuais femininos da vítima), apenas podem integrar a prática de crime de coacção sexual e não
de violao. êê
Justifica-se, pois, perguntar ao legislador de 1998 qual é o motivo que o leva a dar maior importância ao çê
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rgo sexual masculino, isto , a conceder maior protecção penal quando é afectada a esfera sexual do ãí
homem.
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2. Meios de execuo ( 39 )
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O crime de violao um crime de execuo vinculada na medida em que o tipo exige, para a realização ãéó
do evento que descreve, certos meios ou formas específicas de actuação (no caso do No 1 do artigo 164 õã
os meios so a violncia, a ameaa grave ou a colocação da vítima em estado de inconsciência ou em é
situao de impossibilidade de resistir; no caso do No 2 do artigo 164 os meios são a ordem ou a ameaça
no compreendida no No 1 do mesmo artigo).
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Classicamente, nesta rea dos crimes sexuais, o conceito de "violência“ é restringido ao uso de força física éê
sobre a vtima, de modo a coagi-la realizao do acto pretendido ( 40 ).
41
A violncia - diz Simas Santos ( ) - pressupe a falta de consentimento do sujeito passivo, mas esta, a
ausncia de permisso (citando Nelson Hungria), deve manifestar-se por inequívoca resistência, não
bastando uma platnica ausncia de adeso, uma recusa meramente verbal, uma oposição passiva ou ó
inerte, a no ser que essa passividade seja gerada por um trauma físico ou psíquico, ou pelo convencimen
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o da inutilidade de prolongar a resistncia. ã
Mas, para se entender relevante a violncia neste crime, que tipo de comportamento ou de reacção será ç
42 ã
de exigir da vtima ( )?
A simples falta do consentimento da vtima no suficiente para se considerar preenchido o conceito de í
violncia ( 43 ). êç
Todavia, parece-nos que o efeito da violncia no deve ser apenas ou necessariamente um efeito corporal: é
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deve ir alm da perturbao da estrutura biolgica e/ou psicolgica da pessoa.
A sociedade actual no se compadece com um conceito restrito de violncia que acaba por reduzir a
pessoa praticamente sua existncia biolgica ( 44 ). ãê
Modernamente, o conceito de violncia (mesmo nos crimes sexuais) deve ser integrado não só de forma a í
incluir o uso da agresso fsica mas, tambm, o uso da agresso psquica, abrangendo-se qualquer ç
manifestao de uma conduta activa ou omissiva ( 45 ), adequada a obter o resultado pretendido, o qual é ã
conseguido contra a vontade do sujeito passivo (traduzindo-se numa presso anmica exercida sobre a
vtima), anulando, ainda que parcialmente, a sua vontade ou colocando-o numa situao de inferioridade
que o impede de reagir como queria ( 46 ).
Claro que se pode dizer que a agresso psicolgica j intimidao, ameaa.
Mas, o entendimento de um conceito alargado de violncia tem subjacente a leso de direitos que estão
garantidos pessoa, na sua dimenso jurdica, devendo aqui ser aferida por referncia ao bem jurídico em í
causa, que a liberdade sexual da vtima, liberdade que, por aquele meio, constrangida ou limitada de
forma eficaz ( 47 ).
Poder, assim, configurar-se violncia mesmo que no haja reaco ou resistncia por parte da vtima - o
que importa que sejam utilizados meios que impedem a formao da vontade ou a liberdade de
determinao da vtima ( 48 ).