Page 40 - REvista do Ministério Público Nº 81
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criticar tal decisão uma vez que tudo indica que se confundiu o imprevisto (surpresa) com a violência,
esquecendo-se que se trata de conceitos distintos.
( 52 ) É elemento essencial da ameaça que o mal futuro anunciado dependa da vontade do agente
(ameaçante). “Faltando este requisito, não há ameaça, mas advertência, aviso” - Taipa de Carvalho, “Os á
crimes de extorsão”, in Direito e Justiça, VII, 1993, pág. 393. No caso do artigo 164, No 1 o é
constrangimento decorre de uma modalidade específica de ameaça, a “ameaça grave”, enquanto no No 2 çãçíç
do artigo 164, o constrangimento decorre de uma "ameaça simples“. Também aqui o problema da ãã
“conexo meio-fim” (isto é, entre o meio utilizado como ameaça e a finalidade que o ameaçante visa obter ãáçã
com o recurso futuro a esse meio) é fundamental para delimitar o sentido jurídico-criminal de õã
“constrangimento”. Na Alemanha, Engelhard (com origem em autores como Goldschmidt e Frank), defende
é
que a conduta será ilegítima, ainda que o mal com que se ameaça seja lícito, quando não haja uma óáâá
“relao entre o meio e o fim propugnado pelo agente”. Para a teoria da relação, a licitude ou ilicitude da á
condio dependerá da existência da dita relação com o mal. A doutrina alemã discutiu este tema í
(“conexo meio-fim”) em relação ao § 253 StGB (crime de extorsão). A propósito de ameaça grave com á
íçç
mal lcito, recorde-se o exp. dado por Muñoz Conde, ob. cit., pág. 184, do caso do agente que tem provas çãíóãà
da infidelidade matrimonial de uma pessoa, e que a ameaça, dizendo-lhe que as revela ao cônjuge, se não áç
acede a ter cpula. Ver também Pradel, Droit Pénal Spécial, édition a jour au 1/10/1995, Editions Cujas, çãà
Paris, 1995, pg. 487, apontando como exp. de ameaça a violação realizada por um indivíduo que ameaça íéíóóãã
abandonar a sua vtima ao frio, durante a noite, em local longe de qualquer habitação (crim. 11/2/92, Dr. ó
ó
Pn. 1992, No 174).
ãççã
( 53 ) Como diz Vega Ruiz, La violación en la doctrina y en la jurisprudencia, Editorial Colex, Madrid, 1994, ç
pg. 83, “dentro do contexto de uma ameaça é evidente que a pessoa atacada responde animicamente de à
acordo com os seus mais ntimos reflexos e de acordo com as suas mais íntimas fraquezas e medos.” éçé
ã
( 54 ) Pode-se defender - como o faz Carlos Suárez Rodríguez, ob. cit., pág. 165 e 166 - que “ameaçar” é ã
dar a entender com actos ou palavras que se quer fazer algum mal a outro (refere-se só à acção), ó
enquanto a "intimidao“ causar ou incutir medo (refere-se à acção e ao efeito).
àççã
55 çã
( ) Exp. de ameaa grave sobre terceiro que pertence ao círculo existencial da vítima: o agente ameaça óáõá
matar o filho da vtima, para forar esta cpula, coito anal ou coito oral. ê
( 56 ) Carlos Surez Rodrguez, ob. cit., pg. 195, diz que “constitui intimidação típica toda a prolação de ã
uma mensagem intimidatria intensa, mediante a qual o sujeito ameaça o outro de causar-lhe um mal ççá
ã
grave, futuro e verosmil em qualquer dos seus interesses, se não acede ao trato ou contacto sexual”.
( 57 ) Munz Conde, Derecho Penal, Parte Especial, 2a edición, Tirant lo blanch, Valencia, 1996, pág. 185. çã
Acrescenta este autor que “a idade do sujeito passivo e o contexto social ou familiar que o rodeiam são çãé
factores decisivos para valorar at que ponto a ameaça pode ter o grau suficiente para integrar o tipo de ã
ó
crime.”
ó
( 58 ) Por exp. ter cpula (coito anal ou coito oral) ou perder todos os bens no incêndio que o agente á
ameaa fazer. Ainda a propsito da ameaa grave, parece-nos que, sendo o crime de violação no mínimo
um crime de coaco, a expresso “ameaa grave” deveria ser substituída por “ameaça de mal
éçãã
importante”.
ãçó
( 59 ) Roxin, ob. cit., pg. 65, diz que “nos estados hipnticos ou pós-hipnóticos, de acordo com a posição
dominante, ter-se- que afirmar a qualidade da aco nos mesmos, pois os factos cometidos nesses
estados so transmitidos psiquicamente e adaptados ao mundo circundante.”
60
( ) Alis, Taipa de Carvalho, “Os crimes de extorso”, pg. 391 e 392, a propósito do crime de extorsão íã
p. e p. no artigo 317 do Cdigo Penal na verso de 1982, refere que, se a colocação na impossibilidade de
resistir for actual, estamos perante uma violncia (a qual tambm abarca a hipnose ou o uso de fármacos ó
porque se traduz na supresso ou reduo da liberdade de autodeterminação), mas se for futura, então
estamos no mbito da ameaa liberdade de autodeterminao. Parece-nos que este raciocínio é de à
aplicar, tambm, ao crime de violao e ao de coaco sexual.
á
( 61 ) Entre os meios utilizados pelo agente e o constranger (forar) a vtima realização da cópula, coito
anal ou coito oral (com o agente ou com terceiro), tem de existir um nexo de imputação objectiva, de
adequao, de forma a se poder concluir que os meios utilizados pelo agente foram adequados e idóneos á
ao constrangimento realizao da cpula, coito anal ou coito oral pelo prprio agente ou por terceiro. O
problema da causalidade suficiente entre a aco e o resultado deve ser resolvido com os critérios da ó
causalidade e de imputao objectiva (Munz Conde, Derecho Penal, Parte Especial, pg. 184).
( 62 ) Rui Carlos Pereira, “Cdigo Penal, as ideias de uma reviso adiada”, in Revista do Ministério Público,
1997, No 71, pg. 66.
( 63 ) Teresa Beleza, Mulheres, Direito, Crime, pg. 460.
( 64 ) Beleza dos Santos, RLJ No 2270, pg. 354, defendia que, do ponto de vista moral e social, não
importava que a intromisso do pnis fosse mais ou menos completa, que o coito fosse vulvar ou vaginal,
por ambos terem igual valor e significao, sendo certo que o cdigo no distinguia a cpula completa e ç
incompleta - que eram equivalentes. Defendia, tambm, que no era elemento essencial da consumaão
que se desse a ejaculao de esperma na vagina da mulher.
65
( ) Ver Actas relativas parte especial do Projecto do Cdigo Penal de 1966, pg. 191.