Page 105 - Revista do Ministério Público Nº 64
P. 105
«Eu abaixo assinado, Isidore Paturon, prometo pela presente à sra. Bascule, minha benfeitora, nunca a
deixar em vida e servi-la com dedicação. Gorgeville, 5 de Agosto de 1883».
O JUIZ DE PAZ - Está uma cruz no lugar da assinatura; não sabe escrever?
á
ISIDORE - Não. Não sei.
O JUIZ DE PAZ - Foi você que fez esta cruz? ã
ISIDORE - Não, eu não.
O JUIZ - Quem é que a fez então? ãç
ISIDORE - Foi ela.
á
O JUIZ - Está pronto a jurar que não fez esta cruz? Ã
ISIDORE, precipitadamente - Juro pelo meu pai, pela minha mãe, pelo meu avô, pela minha avó e por ãã
Deus, que me está a ouvir, que não fui eu. ã
(Levanta a mo e cospe para o lado para reforçar o juramento).
çéã
O JUIZ DE PAZ, rindo - Quais foram as suas relações com a sra. Bascule, aqui presente? ã
ISIDORE - Era a minha amásia. (Risos no auditório). á
O JUIZ - Modere as suas expressões. Quer com isto dizer que as vossas relações não foram tão puras ã
como ela pretende? á
O VELHO PATURON, tomando a palavra - Ele não tinha ainda quinze anos, não tinha quinze anos, senhor ééç
ã
Juiz, quando ela o desbravou... é
O JUIZ - Quer dizer depravou? ãã
O VELHO - Eu sei l! Ele no tinha ainda quinze anos. Já havia quatro que ela lhe dava mimo, que ela o ã
alimentava, que ela o engordava como um frango, com sua licença. E depois, quando lhe pareceu chegada ããá
a ocasio, ela destravou-o...
O JUIZ - Depravou-o... E o senhor deixou?... á
O VELHO - Tanta fazia que fosse ela ou que fosse outra!
O JUIZ - Ento, de que que se queixam? ã
O VELHO - De nada! Oh!, eu no me queixo de nada, de nada, só que ele já não quer, ele, e ele lá sabe.
Eu peo a proteco da lei. çã
SRA. BASCULE - Esta gente no pra de me insultar, senhor Juiz. Eu fiz dele um homem.
O JUIZ - Acredito!
SRA. BASCULE - E ele repudia-me, abandona-me, rouba-me a propriedade...
ISIDORE - No verdade, sr. Juiz. Eu quis deixá-la, há cinco anos, porque ela tinha engordado demais, e
j no me agradava. J no me apetecia. E disse-lhe que me ia embora. Então ela pôs-se a chorar como
um algeroz e prometeu-me a propriedade de Bec-de-Mortin se ficasse mais alguns anos com ela, quatro ç
ou cinco, mais no. Eu acabei por dizer que sim! O que é que o senhor teria feito no meu lugar? Fiquei
mais cinco anos, contados os dias e as horas. Estava quite. A cada um o que é devido. Valia bem a pena!
(A mulher de Isidore, at ento calada, grita com uma voz aguda de papagaio):
«Olhe para ela, olhe para ela, senhor Juiz, este rebolo, e ainda me dizem que valia a pena?».
áà
ãã
O VELHO abana a cabea com ar convencido e repete:
õ
- Sim, valia bem a pena. (A sra. Bascule deixa-se cair no banco e pe-se a chorar). É
O JUIZ DE PAZ, paternal - Que quer, minha cara senhora, no posso fazer nada. A senhora deu-lhe a ç
propriedade de Bec-de-Mortin por meio de uma escritura vlida. dele, bem dele. Ele tinha o direito
incontestvel de fazer o que fez e de a levar como dote mulher. Não quero entrar em questões...
delicadas... Tenho de encarar os factos apenas do ponto de vista da lei. Não posso fazer nada. ã
O VELHO PATURON, com uma voz orgulhosa - Podemos ir embora?
O JUIZ - Certamente. (Eles vo-se embora, sob os olhares de simpatia dos camponeses, como pessoas
que ganharam a causa. A sra. Bascule solua sentada no banco).
O JUIZ DE PAZ, sorridente - Recomponha-se, muita cara senhora. Vejamos, vejamos, recomponha-se...
e... se lhe posso dar um conselho, procure outro... outro pupilo...
A SRA. BASCULE, no meio de lgrimas - No encontro outro, no encontro outro...
O JUIZ - Lamento no lhe poder indicar um. (Ela lana um olhar desesperado para o Cristo dilacerado e
torcido na eram, depois levanta-se e sai, com passos lentos, aos soluos, escondendo a cara no lenço).
O JUIZ DE PAZ vira-se para o escrivo e em tom divertido - Calipso no se consolou com a partida de
Ulisses... (Depois, em tom solene):
«Chame os outros queixosos».
O ESCRIVO balbucia - Clestin Polyte Lecacheur. - Prosper Magloire Dieulafait...
De Monsieur Parent

